Especial Mês da Mulher 2020

Engenheira, mulher, professora, pesquisadora e jovem:
o espaço conquistado por Marly Monteiro de Carvalho

Filha de pais professores, a jovem Marly Monteiro de Carvalho não queria seguir a carreira docente. Apaixonada pelas exatas no ensino médio, a garota de São Paulo correu para a engenharia buscando uma forma de unir sua vocação com uma trajetória profissional ligada ao mercado e distante do ensino, ao que ela associava a física e a matemática que tanto gostava. A vida dela na USP começou cedo, mas bem longe da Escola Politécnica — mais especificamente há 240 quilômetros da Poli, no campus de engenharia de São Carlos. 

Antes de se tornar doutora em engenharia de produção e uma das nove professoras titulares da Poli, o desafio era outro: descobrir qual área da engenharia deveria seguir. Inicialmente, Marly passou em engenharia civil e começou o curso. Após um ano de graduação, quando ainda era permitido manter dois cursos na universidade pública, a estudante prestou novamente vestibular e ingressou também em engenharia mecânica, pretendendo uma formação dupla. Pouco tempo depois, ela trocou o curso de civil pela produção — na época, ainda “produção mecânica”. 

Porém, no terceiro ano, ficou claro que a sua vocação era mesmo para a engenharia de produção, e foi nesse curso que ela concentrou seus esforços. Quatro anos e meio depois, Marly Carvalho sai da USP São Carlos como engenheira de produção, e deixa o curso de mecânica faltando seis meses para o segundo diploma com uma certeza: ela se formou em produção porque era disso mesmo que gostava. 

Eu acho que toda mulher na engenharia sofre com a mesma questão. Eu lembro quando eu entrei na engenharia, nós éramos 6 (mulheres) de 180 (alunos). Eu cheguei na sala de aula e parecia que eu tinha chegado no exército, porque estava aquele monte de homem careca, e tinham várias turmas, então as meninas estavam perdidas até a gente se achar. Esse estranhamento aparecia muito, e a USP de são Carlos naquela época era basicamente cursos de exatas, então não só a engenharia mas todo o ambiente era muito masculino, mesmo. 

A gente ainda continua com um contingente baixo de meninas em vários cursos de engenharia, esse ano na produção entraram 16% (de mulheres), é muito pouco, e naquela época era menos ainda. Essa sensação de você entrar num meio completamente masculino é uma descoberta desafiadora e difícil, eu acho que toda mulher que fez engenharia sentiu isso, e ainda sente. Não é tão forte quanto na época que eu entrei, mas ainda é bem forte e não é fácil atravessar os cinco anos, porque você é uma minoria. 

Recém-formada, a agora engenheira Marly Carvalho foi direto para seu mestrado, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e então emendou o doutorado na mesma instituição. Enquanto obtinha o título de doutora, Marly voltou à USP, não mais como aluna, mas para trabalhar no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e dar aulas na Poli. Conhecer as realidades de universidades federais, estaduais e institutos de pesquisa foi importante para a caminhada da docente na área. 

Como pesquisadora, a doutora atua principalmente nas áreas de engenharia de produto e projeto, de qualidade e de inovação. Seu nome é extremamente relevante nacional e internacionalmente em todos esses segmentos, seja na pesquisa ou no ensino das disciplinas, já que diversos dos seus textos são utilizados como base. 

Outra preocupação de Marly Carvalho é repensar e atualizar a área da produção. Foi com isso em mente que, na última década, ela implantou a ideia — e a disciplina — de sustentabilidade em todas as especializações do curso, além de matérias sobre a inovação de modelos de negócio com foco em sustentabilidade e economia circular, temáticas que têm sido foco de diversas pesquisas acadêmicas no Departamento. Nas suas disciplinas, ela garante que trata a sustentabilidade de forma matricial. 

Você entra, uma mulher, sempre passei pelas etapas sendo jovem, então uma mulher jovem. É sempre um estranhamento. As pessoas olham, “é você que veio para…?”. Sabe, tem sempre um primeiro momento que você fala “não, sou eu a pessoa e tal”. Lá fora, às vezes as pessoas não sabem se (Marly) é homem ou mulher, e às vezes você via que as pessoas estavam esperando um homem. 

Eu acho que toda mulher na engenharia de alguma forma enfrenta isso, porque mesmo lá fora ainda é uma profissão que tem pouca mulher. O momento de interesse das mulheres pela área de ciência está se trabalhando de uma forma geral, em particular as ciências exatas, e aqui no Brasil mais ainda. Vale muito a pena as meninas investirem. A engenharia é uma carreira de muita realização, tem potencial muito grande de colocar a criatividade e a energia da mulher para funcionar, e as mulheres deviam considerar essa profissão.

Professora Marly Monteiro tomou posse como professora titular, no dia 22 de fevereiro de 2018. (Imagem: Amanda Rabelo)
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