Escola Politécnica

Formando engenheiros e líderes

Atual diretor da Escola conclui a gestão nesta segunda-feira. Em entrevista, ele faz um balanço de seus quatro anos à frente da instituição

Esta segunda-feira, dia 12 de março, é o último dia da gestão de José Roberto Castilho Piqueira à frente da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). À partir de amanhã, assume o posto a professora Liedi Légi Bariani Bernucci, ao lado do novo vice-diretor, professor Reinaldo Giudici, para quatro anos de mandato. Aos 66 anos, Piqueira deixa o comando da Escola satisfeito com o trabalho que pôde executar. Satisfação conseguida graças à cooperação de seus colegas professores, da própria professora Bernucci, que foi sua vice-diretora, dos funcionários e alunos.

Em seus discursos, ele sempre pontuou o que chama de patrimônios da Poli: o físico, que é sua infraestrutura para aulas, pesquisas e atividades de extensão; o intelectual, representado pelo conhecimento gerado pelas pesquisas desenvolvidas na Escola; e o moral, herdado desde a época da fundação da Poli, em 1893, poucos anos após a abolição da escravatura e a proclamação da República.

“Fomos fundados por republicanos, abolicionistas, que tinham como objetivo dar uma oportunidade de formação aos jovens paulistanos em Engenharia, para que estes contribuíssem com o desenvolvimento da nossa sociedade e do nosso País. E a Poli continua imbuída desses ideais de sua fundação mais de um século depois”, afirma. “Temos que observar a trajetória de pessoas como o Paula Souza, nosso fundador, como Ramos de Azevedo, nos apegar a esses bons exemplos da Poli”, completa.

Esse resgate histórico foi uma das preocupações marcantes na gestão. “O professor Piqueira apontou de forma muito firme a importância de cuidarmos desse nosso patrimônio moral, colocando isso como uma responsabilidade inclusive, e especialmente, dos nossos alunos. Esse resgate foi uma enorme contribuição deixada por ele”, atesta Bernucci.

Ele deixou outras marcas importantes. Uma foi sua maneira direta de falar as coisas, que se, por um lado, pegou muita gente desprevenida, por outro, trouxe objetividade e deu agilidade na hora da discussão e da tomada de decisões, contam pessoas com quem ele trabalhou nos últimos quatro anos. Piqueira também soube delegar as tarefas. “E ele não é uma pessoa personalista ou que se preocupou em deixar um legado que marque seu nome na história, pelo contrário. Sempre se referiu à Diretoria, e não à figura do diretor”, completa Bernucci.

A implementação do curso de Engenharia de Petróleo em Santos, a aprovação do SISU como sistema de admissão de alunos, o apoio institucional e financeiro às iniciativas dos alunos no que se refere às atividades como encontros, mesas redondas, palestras, workshops focados nos temas do combate aos preconceitos de gênero, racial, econômico, o apoio à estruturação de um projeto de retorno da Poli para o campus da USP Leste são algumas das ações que marcaram sua gestão. Nesta entrevista, ele faz um balanço dos últimos quatro anos, fala do futuro e mantém sua mais destacada característica: ser sincero ao falar o que pensa.

Por que decidiu ser diretor da Poli?

Não decidi ser diretor. Houve eleição para vice-diretor, e nessa ocasião, havia alguns candidatos. O pessoal da Elétrica, principalmente do PEA (Departamento de Engenharia de Energia e Automação), resolveu que queria ter uma candidatura alternativa. E eles me convenceram a ser esse candidato. Na verdade, não foi uma decisão minha, eu aceitei essa espécie de convite que esses meus colegas fizeram.

E o que te fez aceitar esse convite?

Quando a gente aceita uma proposta assim é porque acredita em algo. Naquele momento, eles argumentaram que a Escola era muito dispersa, que as posturas das pessoas eram muito individualistas, que o lado acadêmico precisava ser mais valorizado, que havia conflito entre o lado acadêmico e o de projetos, e que isso precisava ser melhor harmonizado. Eles alegaram que eu tinha as características para atuar nesses problemas, por considerarem que eu tinha um bom desempenho acadêmico, e experiência de Engenharia em trabalhos na indústria. Achei que seria capaz e aceitei. Essa eleição foi engraçada: ganhei o primeiro e o segundo escrutínios. As pessoas acharam que eu já estava eleito, então deixaram de votar no terceiro escrutínio, e eu o perdi por três votos – assumiu então a vice-diretoria o professor Ivan [Falleiros]. Foi bom não ter sido eleito naquele momento, porque eu não estava preparado, não teria feito um bom trabalho. Foi importante ter ficado mais tempo na Escola, aprendendo e trabalhando mais. Fui eleito na hora certa. Posteriormente tivemos outra eleição, o [José Roberto] Cardoso, o Ivan e eu. A reitoria nomeou o Ivan, e o Cardoso assumiu como vice. Na eleição seguinte, o Cardoso ganhou a eleição para diretor e eu ganhei para vice. Foi muito bom ter esperado esse tempo, especialmente para minha carreira acadêmica: pude consolidar meu laboratório, minhas orientações, meu trabalho como docente e pesquisador. Se tivesse sido eleito antes, teria pouca experiência para assumir a função.

Existe momento ideal para se candidatar à Diretoria?

Ideal vem de ideia, do que se imagina que é, e nada é como a gente imagina. Penso que existam momentos propícios para assumir uma Diretoria de uma Escola como esta. Requer um treinamento, não formal, para fazê-lo. Precisa ter uma produção acadêmica e experiência de trabalho consolidadas e é bom exercer a vice-diretoria por um certo tempo, para entender como a Escola funciona.

Cumprir outras funções de gestão, como a Chefia de Departamento, é fundamental?

Passar por uma Chefia de Departamento, ou coordenação de comissão, são experiências valiosas, mas não indispensáveis. Eu passei por isso: fui coordenador de Pós- Graduação, do Ciclo Básico, fui chefe de Departamento por oito anos, mas essas coisas acrescentam pouco do ponto de vista de ser diretor da Escola, porque são trabalhos locais. Ser diretor da Escola é um trabalho global. Tem que se empenhar em conhecer todo mundo, todos os colegas, todos os departamentos, para ter uma postura institucional. O diretor da Escola nunca pode ter postura departamental, que privilegie uma comissão ou grupo. Precisa ter postura equilibrada e conhecer bem os problemas dos diversos departamentos. Quando está aqui, o diretor não tem departamento. Você tem amigos, colegas, mas não deve fazer de maneira alguma política de balcão. Procurei atender com igualdade a todos. As ações têm que ser de acordo com o interesse maior, que é o da Escola.

Algum momento sentiu na sua trajetória, especialmente na gestão, alguma resistência por não ser formado na graduação da Poli?

Nunca enfrentei isso, algo que considero uma bobagem sem tamanho. A Escola melhorou muito por não ser endógena. Esse era um dos grandes problemas da Poli. Tivemos recentemente a posse de dez professores titulares: seis deles não fizeram graduação na Poli. E isso é um orgulho para a Escola porque, além de ter os melhores, ela atrai os melhores das outras instituições. O que importa é o que você sabe, o que tem para mostrar. O saber é público, não é cartorial, religioso… Nunca sofri pressão por isso. A Poli deixou de ser endógena e passou de três para 15 professores A1 do CNPq [nível máximo de produtividade da agência de fomento]. Isso significa que a Escola evoluiu em pesquisa, e essa conquista não se deve a mim, mas aos nossos pesquisadores.

Como conciliou a direção da Escola com as aulas na graduação, na pós-graduação, as atividades de orientação, etc?

Isso se chama organização. E também é preciso ser muito bem assessorado, o que ocorre na Diretoria da Poli, pois aqui as Assistências são muito boas, nossos funcionários são muito competentes. Além disso, a professora Liedi exerceu um trabalho de grande valor. Ela não foi apenas uma vice-diretora figurativa, pelo contrário, ela foi muito atuante. Ela resolveu grandes problemas relacionados a questões de infraestrutura da Poli, por exemplo. Santos teve problemas que foram totalmente resolvidos por ela. Eu fui diretor, mas tive colaboradores muito bons, começando pelos funcionários, pela vice-diretoria e também contei com o apoio de alguns colegas – não vou citar nome para não correr o risco de esquecer de alguém.
Quando eu vim fazer doutorado na Engenharia Elétrica da Poli, não conhecia ninguém. E todo mundo dizia que a Poli é muito grande e eu seria só mais um número. Estava fazendo um disciplina e o professor indicou um livro. Fui até a biblioteca e pedi o livro para a bibliotecária, que se chamava Neusa, e ela me informou que o material estava com o professor [Walter] Del Picchia. Fui embora para casa e algumas horas depois a Neusa me ligou, dizendo que o livro tinha sido devolvido e que eu podia ir pegá-lo. Isso é a Poli: uma funcionária atenta, que viu a necessidade de um aluno, ligou para o professor Del Picchia para perguntar se ele estava usando o livro, ele devolveu o material e ela me ligou para avisar que o livro estava à disposição. Naquele dia eu me dei conta de que estava em outro lugar. Isso é a Poli. Costumo dizer que, de forma geral, a Poli representa 10% da USP. Pelo menos no que se refere ao número de alunos da graduação e de professores…

E somos 10% do orçamento da USP?

Não. A Poli é mais do que o orçamento… E não é que a Poli seja rica. Ela sabe usar bem o dinheiro, e sabe onde buscar recurso quando precisa. Tanto que, nesses quatro anos, apesar da crise que afetou a universidade, a infraestrutura da Escola melhorou. E não fui eu, mas foram os professores, que são capazes de fazer projetos, captar recursos, e aplicá-los bem e em bons projetos que conseguiram essa vitória. Aliás, vale dizer que a USP recebe o dobro do valor que nos cabe em cada contrato que nós fechamos. O recurso não fica todo na Poli.

Por que temos um tabu em falar sobre projetos e recursos vindos deles?

Ainda temos algumas pessoas radicais, que acham que precisamos ter uma estrutura totalmente estatizada. O que precisamos é ter boas fontes de recursos, públicos e privados, e ter inteligência para usá-los. Não é porque um banco contrata um projeto para desenvolver com a gente que ele vai nos dizer o que vamos pesquisar. Vamos trabalhar no projeto para o banco, e vamos usar o dinheiro para pesquisar aquilo que nós julgamos importante, que vai contribuir com a formação do nosso aluno e avançar o conhecimento. Por exemplo, recebemos recursos da Petrobras, com quem já fizemos muitos projetos. Trabalhamos naquilo que nos propusemos a fazer no escopo do projeto, ele foi concluído, mas ficou aqui o investimento. Hoje temos o Tanque de Provas Numérico (TPN), onde desenvolvemos os projetos que achamos importantes. O TPN presta serviços para várias empresas e entidades que não tem nada a ver com a Petrobras e, além de produzir conhecimento novo, gera recursos para a Poli e para a USP. Quem determina os rumos da pesquisa da Poli é o CTA, a Congregação. Não é o executivo da Petrobras. Isso é o que um gestor faz.

Quais os grandes avanços da sua gestão?

Os grandes avanços não são da minha gestão, e sim ocorreram na minha gestão, pois são avanços de todos. Temos [na Poli] dois projetos Embrapii. Para se ter uma ideia da relevância deste número, toda a Universidade de São Paulo tem quatro, enquanto dois são aqui. Esta é a maior conquista em pesquisa e inovação, o que demonstra que o governo federal sabe que temos estes projetos. Outro avanço importante é o fato de que temos 15 pesquisadores 1A. Somos a escola de engenharia brasileira com maior número de pesquisadores com esta classificação, e portanto somos líderes em pesquisa de Engenharia no País. Em extensão, temos professores atuando em uma infinidade de trabalhos, solucionando problemas que são de interesse da sociedade, como projetos do Tanque de Provas Numérico com a Petrobrás, projetos com a Vale, projetos de material de construção sustentáveis, na área de resíduos sólidos, de mineração, entre outros.
Além disso, temos nossos cursos de extensão, como da FDTE, Vanzolini e PECE, que tem uma grande importância por ajudar na transferência do conhecimento gerado na Universidade para a sociedade. As pessoas têm a oportunidade de, trabalhando, frequentar cursos aqui, e levar o conhecimento para o mercado de trabalho. Nossa relação com a sociedade foi muito profícua nesses anos.
Na graduação, batalhamos para implantar a EC3 (Estrutura Curricular 3). Eu acredito que ela será um avanço para os alunos, e está sendo retocada para ser efetivamente um melhoria para os nossos estudantes, porque irá proporcionar uma formação muito mais ampla do que a oferecida anteriormente, pelo fato de o aluno poder fazer disciplinas optativas, módulos em outras áreas da Engenharia.
A Escola tem três grandes patrimônios. Os patrimônios físico e intelectual são melhores, hoje, do que eram há quatro anos. E o patrimônio moral desta Escola está sendo restaurado, por ter sido arranhado por algumas pessoas. Mas este patrimônio moral está sendo corrigido. Minha maior contribuição é que, hoje, o aluno da Poli sabe que a instituição é um lugar de estudo. A Poli é um lugar onde a pessoa pode ter diversão, pois faz parte da vida do jovem, mas não é um lugar de desrespeito ao patrimônio humano, nem ao patrimônio público. Hoje, os alunos sabem que se eles andarem fora da lei, dos regulamentos e do Código de Ética da USP, alguma coisa irá acontecer. E como nossos alunos são inteligentes e civilizados, eles entenderam que devem preservar o patrimônio moral da Escola. Eu acho que essa é a contribuição: ter ressaltado ao longo destes quatro anos que a Escola é de todos, e se o patrimônio moral for arranhado, todos perderão. Esperamos que daqui a 100 anos, 150 anos, o patrimônio moral seja o mesmo de hoje, construído por Ary Torres, Paula Souza, Figueiredo Ferraz, entre outros. O Politécnico tem que ser competente, ético e honesto. Esta é a principal contribuição. Todo o resto foi uma construção de todos os colegas.

Em que sentido a diretoria atua para que todas essas conquistas apareçam?

Em primeiro lugar, a Diretoria não pode ser omissa, ela deve apoiar de maneira financeira, moral e administrativa todas as boas ações. A Diretoria é um órgão facilitador das boas coisas. Todas as boas iniciativas devem ser apoiadas, tanto financeiramente, como moralmente. E deve agir nas más ações, não pode se omitir. Se uma coisa estiver fora do Regimento da USP, do Regulamento da Poli, fora da lei, cabe ao diretor não permitir que aquilo prossiga, evidentemente dentro dos limites da democracia. Há uma grande diferença entre ter autoridade, ser autoritário e ser omisso. O autoritário faz o que bem entende sem obedecer a normas e regras, fazendo o que quer, e se vê como dono de si e do seu entorno. Ter autoridade é: investido pela legitimidade de quem te elegeu, investido do Regulamento da Universidade e das Leis do País, não deixar que os indivíduos autoritários ajam livremente. E ser omisso é deixar. Temos que ter clareza sobre esta diferença.

Quatro anos são suficientes para gerir a Poli?

É um bom tempo, porque permite a você iniciar muitas coisas. Na verdade, os mandatos na Poli têm sido de oito anos, sendo quatro na vice-diretoria, e mais quatro na direção. A Poli é tão esperta e inteligente que todos passam por um “estágio probatório” de quatro anos antes de assumir a direção. Mais que isso ficaria cansativo e repetitivo. É necessário que entrem novas ideias, novas pessoas tem que oxigenar a Escola. E você volta para aquilo que você fazia com os conhecimentos adquiridos por ter passado por estas experiências.

Qual seu sentimento agora com o fim da gestão?

Atingi as metas que eram possíveis. Algumas não foram atingidas por causa de grandes dificuldades burocráticas. Nesses quatro anos, nossos problemas não foram relacionados a recursos. Eu me deparei com entraves burocráticos. O campus de Santos é um exemplo. Só agora estamos começando a reforma da fachada. Precisava da aprovação de diversos órgãos municipais e estaduais. Além disso, até um ano atrás o prédio não era da USP, mas da Secretaria de Educação. Então, do ponto de vista da burocracia, a USP não tinha curso algum lá nesse período, pois o prédio não era dela. Como oferecer vale-transporte e vale-refeição para alunos em Santos se a USP não tem nada lá? Resolvemos isso por meio de recursos de projetos. A professora Liedi fez inúmeras gestões nas secretarias estaduais de Educação e de Ciência, Tecnologia e Inovação para conseguir a transferência do prédio para o patrimônio da Poli. Nem projeto para o prédio a gente podia fazer porque o prédio não era nosso. As parcerias foram fundamentais. Se não tivéssemos a ação do Paulo Barbosa, prefeito de Santos, e o imenso trabalho feito pela professora Liedi, não teríamos sobrevivido em Santos. E, apesar das adversidades, triunfamos: a professora Patrícia Matai fez um trabalho excelente em Santos para a constituição das nossas atividades no campus. Já formamos a primeira turma, temos o curso de Engenharia de Petróleo da Poli como um dos melhores do País funcionando em Santos. Damos aula de laboratório no Senai. O único curso de Engenharia do Brasil que tem a disciplina Laboratório de Atmosferas Explosivas é o nosso porque temos essa parceria com o Senai, que tem esse laboratório e nos ajuda barbaramente. Os alunos da Poli em Santos se integraram à comunidade, fazem campanhas para ajudar a comunidade carente, inclusive com cursinho pré-vestibular. Veja quanta coisa foi para Santos… Não se tratou de apenas instalar lá o curso de Engenharia de Petróleo.

Quais atores contribuíram, junto à Poli, para que a Poli se consolidasse em Santos?

Temos vários atores. Houve boa vontade da Prefeitura e as diversas Secretarias de Santos, da Petrobrás, o SENAI, os alunos, até o jornal A Tribuna. O papel da imprensa é muito importante. A imprensa deseja ajudar a sociedade, ou criar factóides? Neste sentido, A Tribuna ajudou a sociedade, porque ela sempre publicou notícias sobre a Poli, às vezes positivas, às vezes negativas, mas sempre compatíveis com a realidade, e nunca deixou de nos ouvir.
O único curso de engenharia do Brasil que tem a disciplina laboratório de esferas explosivas é o nosso, porque damos esta aula no Senai de Santos, pelo proximidade ao Cesário Bastos, e contamos com este apoio.
Os alunos se integraram à comunidade, fizeram um cursinho gratuito, campanhas beneficentes, levaram seu conhecimento e trabalho para a população santista. Não é somente a graduação em Engenharia de Petróleo. A Poli Santos é da Cidade, não apenas um curso de graduação.

Vamos falar de aspectos mais pontuais: o que houve com o retorno para o campus da USP Leste?

Temos uma proposta, elaborada com extremo cuidado por um grupo de professores nossos que trabalhou muito, incluindo líderes da comunidade nas discussões. Infelizmente essa proposta ainda não foi aprovada no nosso âmbito, e está em discussão. Mas não tenho dúvida de que, com algumas mudanças, vamos conseguir aprová-la. De qualquer forma, não paramos nossas atividades na Zona Leste. A Poli patrocinou curso pré-vestibular gratuito para estudantes carentes da região. Agora estamos trabalhando em um projeto muito interessante de criação de startups no bairro de Cidade Tiradentes. Não queremos apenas ter um curso de Engenharia da Poli lá, em que as pessoas assistem aulas e vão embora. Queremos criar um ecossistema, desenvolver a região, tendo startups, cursos de extensão e pré-vestibular, além de curso de graduação. Ter um agregado de atividades para ajudar no desenvolvimento da Zona Leste. Queremos levar o conhecimento para a região. Daí, inclusive, ainda não termos aprovado a proposta, pois ela é muito mais ampla do que a simples criação de um curso de Engenharia no campus da USP Leste.

Poderia falar sobre o desafio de adotar o SISU como caminho para entrada na Poli?

Na primeira vez que tentamos, não conseguimos implantar. Perdemos na Congregação e foi razoável, porque não tínhamos bons argumentos na época. Da segunda vez, levamos boas explicações e justificativas, e então ganhamos. Nessa segunda vez, por incrível que pareça, a resistência veio mesmo dos alunos. O representante dos alunos na Congregação disse, no final da reunião que aprovou o SISU, que eu dei um ‘golpe’ – e isso foi dito também por alunos em redes sociais. E o resultado do tal ‘golpe’ está aí: este ano todos os alunos que entraram na Poli tem nota acima de 800 no ENEM, uma nota altíssima. E estamos recebendo gente do Rio de Janeiro, do Piauí, da Bahia. Conversamos com os pais desses alunos que nos disseram que eles não viriam estudar na Poli se não fosse o SISU. São alunos de primeira linha, que vieram enriquecer a nossa comunidade discente. São o contrário do que disse o representante dos alunos na reunião da Congregação, que afirmou que iríamos receber alunos fracos, mal preparados, que não iriam aguentar o curso. Está demonstrado que não é verdade.

Quais são os planos para esse período após a Diretoria? Qual vai ser sua rotina?

Não sei. Já levei minhas coisas para minha sala, tenho meu laboratório para tocar, as aulas da graduação no segundo semestre, orientações e aulas na pós… Vou voltar para a minha vida de sempre. Ainda tem muita coisa para fazer.

Pretende ocupar novamente algum cargo de gestão, se for convidado?

Se for um cargo que eu ache que sou competente para executar, posso aceitar.

O que a experiência de Diretor agregou na sua carreira profissional e na sua evolução pessoal?

Na minha evolução pessoal foram as grandes amizades. Saio deixando muitos amigos. Alguns inimigos, mas como disse Voltaire, é triste não ter amigos, mas é ainda mais triste não ter inimigos, porque é sinal que você não fez nada que pudesse ter sido contrariado, portanto não fez nada. Eu agradeço meus inimigos por saber que não sou perfeito.
Aprendi muita coisa sobre como funciona um órgão público. Quais são os cuidados que devemos ter,  que o bem público é algo quase sagrado, o quanto esta Escola e essa Universidade são preciosas para o País, para pessoas que nunca passaram por aqui e não sabem onde fica a Poli. Pessoas que nunca vieram aqui são beneficiadas por um serviço de esgoto projetado por um ex-aluno, ou beneficiadas por um serviço de medição meteorológica projetado na Escola. Quantas pessoas se consultaram com um médico no interior do Brasil que se formou na Universidade de São Paulo? Quantos médicos fizeram residência aqui e voltaram para o seu local de origem? Quantas Escolas ganharam com o que se faz aqui? O valor do bem público ficou muito marcado para mim, e precisa ser mais bem visto e valorizado pela população.
Como professor, certamente mudou o meu olhar para o aluno. Como dirigente, é possível responder para o aluno sobre algumas limitações e também é possível saber dizer para a administração por que aquele aluno precisa ser melhor apoiado. Tem os dois lados da moeda, e isso fica claro quando se passa pela direção.

Como é ter uma mulher dirigindo a Poli pela primeira vez? Demoramos muito para chegar a isso?

Demoramos o mesmo tempo que a ParisTech. A Poli começa a ser dirigida por uma mulher pela primeira vez no mesmo ano em que a ParisTech vai fazer o mesmo. Então, diria até que estamos indo mais rápido, porque a ParisTech é primeira Escola de Engenharia Civil do mundo. Levamos o mesmo tempo que todo mundo… Mas uma coisa eu gostaria de deixar claro: a professora Liedi não vai ser diretora porque é mulher, mas porque é competente, porque tem uma carreira acadêmica consolidada, é respeitadíssima na área de pavimentação e projeto, passou quatro anos sendo uma excelente vice-diretora. Ela assumirá a Diretoria da Poli por ser competente. Essa questão da mulher em postos de direção é algo relacionado à história da inserção da mulher no mercado de trabalho, é algo da sociedade, não é exclusivo da Engenharia ou da Poli. Só 16% dos CEOs são mulheres no Brasil, segundo pesquisas. A sociedade não está fazendo diferente, está tentando fazer… E a Poli também. As outras Escolas de Engenharia aqui em São Paulo tiveram alguma mulher como Diretora? Nossa Diretoria apoiou ações de defesa de igualdade de gênero e combate à discriminação e preconceitos, dando recursos para essas ações, para projetos e iniciativas nesse campo dos nossos alunos. Também apoiamos ações para contribuir com a sociedade, como as reformas que nossos alunos fazem no Trote Solidário, por exemplo. Pelo menos 15 escolas públicas em São Paulo têm sistema de aproveitamento de água de chuva desenvolvido por nossos alunos… Isso é a Poli: formando engenheiros preocupados com seu entorno, capacitados para resolver os problemas da sociedade e ajudar no desenvolvimento do nosso País.

Deixe uma mensagem final a toda a comunidade politécnica.

Minha mensagem é de agradecimento a todos os alunos, professores e funcionários. Todos me ajudaram muito ao longo desses quatro anos a fazer da Poli uma Escola melhor.