Especial 130 anos

130 anos: Poli-USP passa por transformação no perfil de estudantes

A Escola Politécnica (Poli) da USP foi a primeira instituição brasileira de ensino superior criada por um Estado, e a terceira escola de engenharia do País, tendo formado mais de 30 mil engenheiros ao longo dos 130 anos que completa em agosto deste ano de 2023. As fotos e registros históricos feitos ao longo deste tempo demonstram que nem sempre foi possível enxergar diferentes rostos ocupando o espaço estudantil. O perfil socioeconômico dos estudantes da Escola tem sido, aos poucos, modificado, principalmente com a implementação de políticas de permanência e, em 2017, as cotas

 

 Michael Emiliano, estudante de Engenharia de Produção do quarto ano, hoje é um dos professores voluntários do Cursinho Popular da Poli, e um dia esteve na posição de aluno beneficiado. Vindo de uma família grande, Michael surpreendeu os irmãos e pais, que não completaram o ensino fundamental, ao entrar em uma universidade pública, a USP. Em seu último ano do ensino médio descobriu o que era o vestibular e seu funcionamento, “até então, não era como se eu não me preocupasse, eu não sabia da existência”. 

O futuro engenheiro conheceu o cursinho da Poli por meio de seu primo, que também passou em engenharia. “Meu primo de 28 anos voltou de Pernambuco, terra dos meus avós, para tentar uma oportunidade de estudos e entrar na faculdade, mas não tinha dinheiro para pagar, então resolveu procurar cursinhos populares”, conta o estudante.

Michael acredita no avanço em relação ao perfil dos alunos que está acontecendo, mas ressalta que gostaria que essa mudança fosse mais rápida. 

Aula no Cursinho Popular da Poli

Michael acredita no avanço em relação ao perfil dos alunos que está acontecendo, mas ressalta que gostaria que essa mudança fosse mais rápida. 

A transição está atrelada tanto ao padrão socioeconômico dos alunos, quanto ao número de ingressantes e formandos. O Informativo da Divisão de Acervo Histórico da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo registra que em 1893 a Lei Estadual nº 191 aprovou o regulamento responsável pela fundação e organização da Escola Politécnica. “Quando de sua instalação, a Poli contava com sete professores, trinta e um alunos matriculados e vinte e oito ouvintes”, e eram oferecidos os cursos de engenharia civil, industrial e agrícola, além do curso anexo de artes mecânicas.

Os primeiros engenheiros a se formarem na Escola somavam em poucas pessoas. A Escola Politécnica foi criada no final do século XIX como uma escola de elite, para tratar dos novos métodos e engenharia aplicáveis à produção industrial emergente na época, e certamente era uma escola ‘para poucos’, todos esses das classes mais abastadas”, conta José Reinaldo Silva, professor do Departamento de Engenharia Mecatrônica que preside a Comissão de Inclusão e Pertencimento da Poli. 

Fundador da Poli (segundo sentado da esquerda para direita) junto aos politécnicos [Reprodução/Tecnologia em Preto e Branco]

De acordo com dados levantados pelo setor de expedição de diplomas da Poli, em 1895, apenas um aluno se formou na Escola Politécnica, sendo também o primeiro: Julio Rosaes, no curso de Agrimensor. Após 4 anos, 17 engenheiros se graduaram, contabilizando todos os cursos, e no ano seguinte, 34. “Os primeiros formandos, junto com os fundadores da Escola Politécnica, constituíram uma elite técnica, que, ao associarem trabalho, ciência e progresso, interveio de forma significativa nos rumos do país”, detalha a obra Tecnologia em Preto e Branco, lançada pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas, a fim de resgatar experiências vividas no primeiro século da Instituição.  

 

O livro, que aborda esforços pioneiros de pesquisadores, também relata que a primeira geração a se formar eram “jovens, idealistas, empreendedores e progressistas”. Esses engenheiros foram fundamentais para as mudanças ocorridas na Grande São Paulo e no Brasil, e se dedicaram à construção coletiva de conhecimentos. “Nos últimos anos de curso, estavam ávidos por transformar seus conhecimentos em novas tecnologias”.

Em contraste ao cenário no período, atualmente a Poli oferece cerca de 900 vagas por ano e, até 2022, 33207 politécnicos haviam se formado, sendo que de 1990 a 2020 se formaram 19306 alunos. Além da graduação, a Escola já concedeu mais de 10 mil títulos de pós-graduação. Há dois anos, 41,5% dos alunos já eram oriundos de instituições públicas e se autodeclaravam pretos, pardos e indígenas (PPI). “Tem um fenômeno muito antigo no acesso à universidade brasileira, que é o predomínio de uma classe média, classe média alta, branca, frequentadora das instituições particulares de educação básica e isso está sendo desmontado”, contou Maria Isabel de Almeida, professora da Faculdade de Educação (FE) da USP, em entrevista ao Jornal da USP.

 

Em 2021, um marco histórico: a USP teve 51,7% de seus alunos ingressantes vindos de escola pública e, dentre eles, 44,1% autodeclarados PPI. O reitor da época, Vahan Agopyan, que já foi diretor da Poli e atualmente ocupa um cargo de secretaria no Estado de São Paulo, celebrou a conquista e disse que “essa inclusão tem sido extremamente significativa para a Universidade se enriquecer mais e interagir ainda mais com a sociedade”. 

USP Imagens/Cecília Bastos



O presidente da Comissão de Inclusão e Pertencimento da Poli, no entanto, entende que não podemos nos apegar somente aos números. “A questão de fundo é se alunos carentes têm acesso a um ensino de qualidade que, independentemente das formas de ingresso, os possibilite a fazer um curso de forma integral e participativa, se tornando um bom profissional. É isso que faz a diferença”. O professor também acredita que é preciso fazer com que o ambiente universitário supra necessidades que possivelmente existam na realidade  cultural e de disponibilidade de informação em que vivem os alunos. 

 

 A mudança de perfil dos estudantes também se reflete na diversidade de pesquisas e produções desenvolvidas dentro da academia. “O entendimento é que as barreiras discriminatórias – sociais, de raça/cor, gênero, ou estruturais – nos levam a uma perda de talentos enorme”, explica José Reinaldo. Segundo o professor, os avanços, se devidamente gerenciados, podem de fato mitigar a discriminação estrutural do sistema de ensino.

 

A permanência estudantil foi uma política pública que passou a ser mais discutida e investida neste processo. Os números divulgados indicam que, em 2021, foram destinados R$ 250 milhões, 6,7% a mais do que no ano anterior, para auxílio estudantil. Além das permanências oferecidas pela própria Universidade, os alunos politécnicos podem contar com a ajuda do Programa Poli Retribua, uma iniciativa da Associação dos Engenheiros Politécnicos (AEP). Os estudantes dos dois primeiros anos da graduação que estejam em situação de vulnerabilidade socioeconômica podem receber bolsas e mentorias, para que tenham condições mais igualitárias e favoráveis de formação.

 

Outra ação importante para a transformação no perfil dos alunos é o Cursinho Popular da Poli, fundado em 1987. “Atuamos oferecendo um curso pré-vestibular de qualidade para pessoas em vulnerabilidade socioeconômica que sonham em ingressar no ensino superior e, muitas vezes, ser a mudança na realidade de suas famílias e círculos sociais”, conta Isabela Ramayana de Camargo, Diretora de Comunicação da entidade. Anualmente, a equipe atende 500 alunos. 

Escola Politécnica
Universidade de São Paulo

Expediente

Reitor: Carlos Gilberto Carlotti Junior
Vice-reitor: Maria Arminda do Nascimento Arruda
Escola Politécnica da USP
Diretor: Reinaldo Giudici
Vice-diretor: Sílvio Ikuyo Nabeta

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