Pesquisadora da Escola Politécnica estudou a produção de ferro usando hidrogênio para zerar as emissões de CO₂. Patrícia Metolina analisou o método do laboratório à indústria
[Imagem: Luana Mendes/ Comunicação Poli-USP]
A Indústria Siderúrgica é o setor com maior índice de emissão de CO₂ no mundo, representando cerca de 7% das emissões, segundo a World Steel Association. No Brasil, a cada tonelada de aço produzida outras 1,7 toneladas de dióxido de carbono são liberadas no meio ambiente. Contudo, minimizar essas emissões não é uma tarefa fácil. Para solucionar esse desafio e promover a transição desses processos, pesquisadores buscam desenvolver tecnologias e abordagens inovadoras para o processo tradicional de produção do ferro e do aço. Além disso, atestar a viabilidade da implementação desses processos em escala industrial é necessário para que a inovação alcance seu objetivo e se converta no impacto desejado, ou seja, menos emissões de CO₂.
Neste sentido, a pesquisadora Patrícia Metolina desenvolveu um estudo, em seu doutorado na USP, no qual usou uma abordagem em multiescala para analisar por completo uma solução tecnológica investigada desde o laboratório até a sua aplicação em escala industrial. Recente na academia, esta metodologia na engenharia é um formato de resolução de problemas complexos que considera diferentes níveis, do micro ao macroscópico, integrando modelos e técnicas de diversas escalas para compreender o comportamento de todo um sistema.
A doutora pelo Programa de Pós-graduação de Engenharia Química da Escola Politécnica (Poli) da USP utilizou modelos matemáticos complexos para analisar o processo de produção do ferro utilizando hidrogênio, uma solução para a grande emissão de gases do efeito estufa (CO₂) na siderurgia. Sua tese foi premiada no Prêmio Tese Destaque USP de 2025, na área de engenharias. A premiação é uma iniciativa que reconhece e premia teses de doutorado de grande impacto defendidas nos programas de pós-graduação da Universidade.
[Imagem: Luana Mendes/Comunicação Poli-USP]
A pesquisa teve início por meio de uma parceria entre o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e a Universidade de São Paulo. O IPT cria e aplica soluções tecnológicas para setores da economia, governos e sociedade em apoio à superação de desafios tecnológicos. Por meio do Plano de Desenvolvimento Institucional de Pesquisa (PDIP) do IPT, que em parceria com a Poli buscava desenvolver um polo de transformação digital, a pesquisa envolveu experimentos, modelagem matemática e simulação computacional para avaliar a viabilidade técnica do uso dessa rota de produção. Patrícia contou com uma bolsa de doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) na área da engenharia química e, assim, iniciou seus estudos do processo de transição da indústria siderúrgica para uma produção de ferro e aço com hidrogênio verde.
Roberto Guardani, docente da Engenharia Química e orientador de Patrícia, destaca que o diferencial do trabalho é a abordagem rigorosa em multiescala, além da relevância do tema transição energética na atualidade. O estudo em nível da partícula e na escala industrial possibilitou entender de maneira aprofundada as reações, trabalho que demanda um esforço computacional muito grande.
Entender como uma indústria que representa cerca de 3% do PIB nacional influencia também o meio ambiente tornou-se uma tarefa urgente e pauta no cenário mundial, e foi a motivação para a tese “Processo de produção de ferro usando redução direta com hidrogênio para zerar as emissões de CO₂: um estudo em multi-escala das reações gás-sólido não catalíticas”. A pesquisa investigou a redução direta do minério de ferro com hidrogênio (H-DR), tecnologia promissora para alcançar a neutralidade de carbono na indústria siderúrgica. Recentemente, algumas indústrias no mundo começaram a implementar essas tecnologias.
No entanto, atingir a neutralidade de carbono na indústria siderúrgica deve ser acompanhado de mudanças na infraestrutura da produção. Ainda que afete menos o meio ambiente e gaste menos energia na etapa de fusão, a transição para a tecnologia H-DR é recente, apresenta custos elevados e não há infraestrutura estabelecida em larga escala para viabilizar a adoção imediata pela indústria. Entretanto, o professor Roberto Guardani ressalta que, no médio prazo, a indústria não terá outra alternativa, em relação ao desuso do carvão na siderurgia.
“Existe muita pesquisa nessa área na academia, mas, do ponto de vista industrial e comercial ainda faltam avanços consolidados”, destaca Metolina. Justificando a inovação de seu doutorado, ela abordou também uma simulação computacional em multiescala de fornos industriais usando da técnica de fluidodinâmica computacional,que possibilita a análise detalhada dos fenômenos que ocorrem tanto ao longo de um forno, quanto ao longo do raio das pelotas, onde ocorrem as reações.
Assim, com o uso dessa técnica, foi possível, a partir dos resultados experimentais que Patrícia obteve em laboratório, acompanhar no computador as transformações sólidas que ocorrem no interior das pelotas de ferro dentro do forno e verificar as condições mais favoráveis para uma eventual produção em escala industrial.
Desafios dentro de desafio – Com o impacto da pandemia, que alterou a dinâmica da realização dos trabalhos de pesquisa, a realização de experimentos sofreu diversas adaptações. A frequência com que Patrícia podia acessar o laboratório, por exemplo, foi reduzida e as simulações foram prejudicadas, pois nem sempre os recursos computacionais estavam disponíveis para acesso fora do laboratório. O isolamento social causou atrasos significativos no andamento de seu doutorado, impactando a realização de experimentos, a condução de análises físicas e químicas e inviabilizando temporariamente a ida ao exterior para atividades previstas no projeto.“Cada resultado experimental e computacional apresentado no trabalho é apenas uma parte de um processo repleto de desafios, tentativas que não deram certos e recomeços”, comenta Patrícia.

Patrícia publicou três artigos nas revistas International Journal of Hydrogen Energy, Minerals Engineering e International Journal of Minerals, Metallurgy and Materials, além de acumular mais de 50 citações em cerca de 2 anos.
“Algo que a gente gosta de reforçar é que, diferente de outras pesquisas na universidade, nossa pesquisa está tendo um impacto, para ser usada na prática, não ficar apenas na academia”.
Patrícia Metolina
A descarbonização, tema em alta discussão na atualidade, não era no início da pesquisa o foco da agenda. Entretanto, o impacto ambiental da reação de redução da no processo de produção do ferro e aço expôs a urgência da transformação da indústria siderúrgica. Para os pesquisadores, este é um dos pilares para o reconhecimento no Prêmio Tese Destaque USP.
Patrícia conta que a condecoração feita pela universidade está para além da cerimônia e do prêmio monetário. “Valorizar o conhecimento é importante, mas esse sucesso só foi possível graças ao apoio do meu orientador, dos amigos, da Fapesp e das instituições como um todo”, assegura a pesquisadora. “Então, às vezes, com esse reconhecimento, a gente para e pensa: todo os esforços e sofrimentos valeram a pena, sabe?”.
Confira aqui a cobertura do evento e o álbum com as fotos.