FORMANDO ENGENHEIROS E LÍDERES

FORMANDO ENGENHEIROS E LÍDERES

Prof. Dr. Rubens Guedes Jordão – 1972-1976

RubensGuedesJordaoExercício: 1972 a 1976

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Rubens Guedes Jordão nasceu em Tatuí aos 6 de julho de 1919, cidade que para ele encerra uma curiosa coincidência. A ela estão indelevelmente ligados os dois ramos de sua família: do lado paterno, a Jordão e do materno, a Guedes.

Tatuí foi fundada em agosto de 1826, em terras doadas pelo seu trisavô paterno, o Brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão, grande proprietário de fazendas no interior do Estado de São Paulo e terras na hoje Grande São Paulo. Foi Membro do Governo Provisório, Diretor do Tesouro da Capitania de São Paulo e amigo pessoal do Imperador D. Pedro I.

Seu avô materno, nascido em julho de l853 – na época sem qualquer vínculo com a família Jordão – foi homem dinâmico e avançado para seu tempo. Fez sua vida em Tatuí onde tornou-se destacado lavrador e industrial, proprietário de várias fazendas e indústrias. Pioneiro da lavoura algodoeira no sul do Brasil e em sua industrialização, organizou e fundou a Companhia Fiação e Tecidos São Martinho, com fábrica inaugurada em 1881, uma das maiores e mais modernas em seu tempo. Fundou a Companhia Luz e Força de Tatuí, distribuidora de energia elétrica para essa cidade e outras circunvizinhas, energia gerada em hidrelétrica que mandou construir em fazenda banhada pelo rio Sorocaba. Incentivou a cultura, fundando o então famoso Teatro São Martinho, uma das primeiras casas do gênero no Estado de São Paulo. Deu amparo a obras de assistência social, doando a Tatuí os prédios para a Santa Casa e para um asilo para idosos, o Asilo São Vicente de Paula.

Rubens Guedes Jordão adveio do casamento entre o advogado Oscar de Araújo Jordão – falecido prematuramente quando ainda menino contava com apenas dois anos de idade – e Carmem Guedes Jordão. Rememorando com bom humor os tempos de estudante – em São Paulo, pois com a morte do pai viera para a capital – comenta que ficou em segundo lugar na turma do primário, também no Ginásio do Estado e no vestibular de ingresso à Escola Politécnica. Em campeonato de natação ficou com a medalha de prata e, mais tarde, em concurso de Caça Submarina também alcançou a segunda colocação. Guarda na lembrança não somente estes momentos, como também a sua passagem pelo então famoso Ginásio do Estado e seus cultos e responsáveis professores. Com o mesmo respeito aos demais, destaca a figura tranqüila e afável de Marinho Briquet, professor de Inglês, do sisudo e justo Antonio Silvestre Alves Cruz, professor de história natural e do espirituoso José de Freitas Valle, professor de francês “por amor à arte”, membro de tradicional família paulista, conhecido por possuir uma das melhores adegas do país.

Desde jovem, quando freqüentava o Ginásio, cultivava a vontade de “ser engenheiro mecânico eletricista da Escola Politécnica de São Paulo.” (NAKATA, Vera Lucia M., TORRE, Silvia Regina S. Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o professor Rubens Guedes Jordão, 2003). Assim, no intuito de concretizar seus planos de carreira, fez os dois anos do curso Pré-Politécnico. Dessa época, destaca o contato com o ainda jovem Abrahão Moraes (Geometria Analítica), e os professores da Politécnica Alcides Barbosa (Geometria Descritiva) e Eduardo Ribeiro Costa (Química).

Não obstante obter o segundo lugar no vestibular para Politécnica – conforme já mencionado – atrás somente de Oswaldo Fadigas Fontes Torres e ao lado de Laerte Nicolino Rosato, teve algumas dificuldades com os estudos no primeiro ano letivo, em Matemática – disciplina ministrada por José Octávio Monteiro de Camargo e seu assistente Luiz Afonso Penteado de Toledo Piza – e em Geometria Analítica e Projetiva, cujas aulas ficaram a cargo do jovial e paternal professor Giacomo Albanese, proferidas em italiano, idioma que não lhe era familiar.

Diversos docentes, para além destes, marcaram as etapas de formação do professor Jordão. Na fase preliminar (básica) do curso de engenharia, Luis Cintra do Prado, por sua didática e clareza ao ensinar Física, Lúcio Martins Rodrigues, da cátedra de Mecânica Racional e Telêmaco Ipolito de Macedo Van Langendonck, de Resistência de Materiais. Na fase seguinte, de formação profissional na área da Mecânica, Roberto Mange, versado em Máquinas e Felix Hegg que ensinou Termodinâmica e Máquinas Térmicas. Na área da Eletricidade, Francisco Emygdio da Fonseca Telles, o circunspecto e meticuloso professor de Medidas e Máquinas Elétricas, um dos principais responsáveis pela criação do Instituto de Eletrotécnica, Homero Barbosa que “pode ser considerado o precursor dos atuais cursos de eletrônica da Escola Politécnica.” (SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos. Entrevista com o professor Rubens Guedes Jordão, 1982) e, finalmente, o cordial e maneiroso Antônio Carlos Cardoso, responsável pela matéria de Geração, Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica. Em intervalos de suas aulas, “mandava buscar café para os estudantes, chegando a lhes oferecer charutos”. Certa feita, “quando foi mostrar o anfiteatro do edifício Ramos de Azevedo a um visitante ilustre, anfiteatro com duas portas bastante altas e relativamente estreitas, ele abriu uma dela e pediu para a visita entrar primeiro, gesto que o visitante delicadamente retribuiu. Depois de três tentativas, sem ninguém entrar, o professor Cardoso pediu a um contínuo que abrisse a outra porta e, então, entraram juntos no salão.” (NAKATA, Vera Lucia M., TORRE, Silvia Regina S. Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o professor Rubens Guedes Jordão, 2003).

Nos anos de 1942 a 1943, sob a coordenação do engenheiro Frederico Abranches Brotero, juntamente com seus colegas Oswaldo Fadigas Fontes Torres e Octávio Gaspar de Souza Ricardo, foi estagiário na Secção de Aeronáutica do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), quando colaborou na realização de projetos e ensaios de aeronaves construídas nesse Instituto. “Penso que o IPT foi pioneiro no Brasil, na construção de aviões de madeira, em substituição aos de tela, próprios da época (1942/1743), graças à tecnologia desenvolvida em sua secção de madeiras.” (SANTOS, Maria Cecília Loshiavo. Entrevista com o professor Rubens Guedes Jordão, 1982). Em decorrência dessas atividades e em companhia do colega Fadigas, com bolsas oferecidas pelas Indústrias Pignatari obteve brevê de piloto civil e brevê C para vôo a vela (planadores).

Assim que obteve o diploma de engenheiro, recebeu diversas ofertas de emprego. No entanto, até mesmo uma atraente proposta das Indústrias Matarazzo foi descartada para que pudesse permanecer no ambiente Politécnico, tanto de seu agrado, e nele adquirir experiência. Aceitou convite do Instituto de Eletrotécnica para atuar como engenheiro em sua Seção de Medidas Elétricas. Decorrido pouco mais de um ano, recebeu outro convite que, na circunstância em que então se encontrava, não devia recusar: estagiar na Control Instrument Co., em Nova Iorque, fabricante de equipamento de Controle para a Marinha de Guerra Brasileira. Lá permanecendo até 1946, presenciou um acidente que, entremeado a fatores que mantinham latente o cenário da II Guerra Mundial, desde aquela época segue intacto em sua memória: um avião da Força Aérea Americana chocou-se com o Empire States, sem, entretanto, abalar seriamente sua estrutura.

De volta ao Brasil – sem grandes adendos à formação tecnológica que já possuía – assumiu seu posto de engenheiro na sucursal paulista daquela companhia americana. Não foi de seu agrado o novo ambiente de trabalho, tampouco a monótona rotina de suas tarefas. Não vislumbrava qualquer perspectiva de desenvolver seus conhecimentos!

Sabedor do interesse do Instituto de Eletrotécnica em tê-lo de volta, um desentendimento de natureza puramente técnica acabou por decidi-lo a retornar a esse Instituto, e com um pormenor : o saudoso professor Fonseca Telles também desejava tê-lo como assistente para as aulas práticas de Laboratório de Medidas Elétricas. Assumiu também essas aulas, iniciando sua longa carreira docente, confirmando-se, assim, uma profecia de seu tio Mário Whately, detentor da Cátedra de Pontes e Grandes Estruturas da Politécnica, que, anos antes dissera a um funcionário dessa Escola “que o estudante Rubens Jordão iria ser um professor da Politécnica”.

Durante afastamentos temporários do professor Fonseca Telles, assumia também as aulas teóricas de Medidas Elétricas. Após a aposentadoria desse professor recebeu mais uma incumbência: tomar a seu cargo a Cadeira de Máquinas Elétricas. Com a reestruturação dos cursos da Politécnica, a cadeira de Medidas Elétricas foi suprimida e, para melhor poder dedicar-se às máquinas elétricas, em 1958 solicitou afastamento do Instituto de Eletrotécnica, ingressando no Regime de Dedicação Exclusiva à Docência e à Pesquisa. Até essa época, as aulas de Laboratório de Máquinas Elétricas permaneciam a cargo do Instituto de Eletrotécnica, por intermédio de alguns de seus engenheiros, fato que introduzia algumas dificuldades para um perfeito entrosamento entre a teoria e a prática. Em particular, a preocupação com a precisão dos resultados dos ensaios não deveria desviar a atenção dos estudantes daquilo que julgava o mais importante: “o significado das operações realizadas”. (SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos. Entrevista com o professor Rubens Guedes Jordão, 1982). Ademais, a potência desnecessária das máquinas (grupos de máquinas da Westinghouse, de 10 kW cada) e a maneira como estavam instaladas no laboratório, levaram-no a substitui-las por outras menores e mais apropriadas para fins didáticos. Um novo laboratório foi montado e as aulas práticas passaram a ser ministradas por assistente contratado para a cadeira de Máquinas Elétricas, sob a direta orientação do professor Jordão.

No papel de professor, quando em classe “esquecia todos os problemas” e tinha a constante preocupação de recorrer aos meios mais adequados para transferir conhecimentos aos alunos. (NAKATA, Vera Lucia M., TORRE, Silvia Regina S. Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o professor Rubens Guedes Jordão, 2003).

Em concursos de Títulos e Provas, em 1962 obteve os títulos de Doutor em Ciências Físicas e Matemáticas e de Livre Docente e em 1967 foi aprovado para o provimento da cátedra n0 21 “Máquinas Elétricas” da Escola Politécnica. Para a Livre Docência defendeu a tese intitulada Contribuição para a Soldagem a Ponto de Materiais Metálicos e, para a Cátedra, a tese intitulada Motor Difásico Assimétrico com resultados que “poderão ser industrialmente aplicados.” (SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos. Entrevista com o professor Rubens Guedes Jordão, 1982).

Entre suas obras de cunho didático, destacam-se os livros de Máquinas de Corrente Contínua, Máquinas Síncronas – que em 1981 ganhou o Prêmio “Jabutí-Tecnologia”, conferido pela Câmara Brasileira do Livro – e Transformadores, editado recentemente (2002). Tem trabalhos publicados em revistas do país e do exterior, bem como “papers” apresentados em conferências realizadas em São Paulo, Pisa, Paris e Tóquio.

Como seus orientados, vários docentes fizeram carreira na Escola. Entre eles estão o Prof. Dr. Cícero Couto de Moraes e os Titulares Aurio Gilberto Falcone, Orlando Sílvio Lobosco e José Roberto Cardoso.

Representou a Politécnica em orgãos outros que da USP (CREA de São Paulo, por dois mandatos consecutivos) e da própria USP (entre outros, as Comissões do Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa e do Orçamento e Patrimônio).

No âmbito administrativo, foi Vice-Diretor do Departamento de Engenharia de Eletricidade, tendo assumido sua diretoria em razão do pedido de afastamento do então diretor. Na gestão do professor Fadigas como diretor da Politécnica, foi também vice-diretor dessa Escola. Terminado o mandato do professor Fadigas, foi indicado pela Congregação da Politécnica para assumir sua diretoria e escolhido pelo então reitor, Professor Miguel Reale, exercendo esse cargo a partir de 10/03/72 até 09/03/76.

Muito provavelmente, a fase inicial de sua diretoria foi mais trabalhosa do que a de seus antecessores. Mal transcorridos dezoito dias de sua posse, aos 18 de março de 1972 entrou em vigor um novo regimento para Universidade de São Paulo, alterando, inclusive, parte substancial do regimento interno da própria Politécnica. E, para agravar a situação, alguns artigos do novo estatuto davam “margem a diferentes interpretações, algumas totalmente diversas do espírito que os norteou. Para dificultar ainda mais a situação, as soluções a serem encontradas para as dúvidas freqüentemente surgidas tinham que ser procuradas junto aos órgãos da USP, e não mais no âmbito da Politécnica.” (SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos. Entrevista com o professor Rubens Guedes Jordão, 1982).

Perguntado sobre o que julgava mais importante na sua atuação como Diretor, respondeu que “teve a satisfação de resolver para a Politécnica dois de seus crônicos problemas: o desinteresse da maioria de seus docentes pelo regime de tempo integral face às boas ofertas externas de trabalho, com reflexos negativos sobre a produção de trabalhos de pesquisa, e o montante desproporcional das verbas a ela atribuído. O primeiro foi resolvido com a criação da FDTE (Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia), iniciativa de um grupo de docentes liderados pelo Professor Antonio Hélio Guerra Vieira. Não obstante forte oposição oferecidas por representantes de algumas unidades da USP, as diligências da diretoria da Politécnica junto ao Magnífico Reitor acabaram por obter seu apoio à criação da FDTE. Por intermédio dela, docentes em tempo integral poderão receber quantias adicionais quando participantes de trabalhos prestados à comunidade, desde que por esta financiados. Restava à Politécnica obter verba necessária para a admissão de docentes em tempo integral. Como membro da Comissão do Orçamento e Patrimônio da USP, diligenciou para que fosse realizado pormenorizado levantamento das reais necessidades de cada uma de suas unidades. Com as informações obtidas de diversas fontes, principalmente dos registros do Centro de Computação Eletrônica da Universidade, desse levantamento resultou um dos maiores orçamentos destinados à Politécnica.” (Texto concedido pelo professor Rubens Guedes Jordão, 2003)

Indagado sobre o que pensa sobre a Escola da época da sua diretoria e a atual, o professor responde: “penso que hoje a Escola tem um corpo administrativo compatível com o seu tamanho. E deve manter a posição que sempre teve, com a mesma filosofia, com a mesma capacidade e a mesma austeridade”.(NAKATA, Vera Lucia M., TORRE, Silvia Regina S. Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o professor Rubens Guedes Jordão, 2003).

Após o término de seu mandato como diretor da Politécnica, foi convidado e aceitou participar de uma das diretorias da FAPESP, nela permanecendo por nove anos.

Em 1975 recebeu o diploma de Oficial da Ordem do Mérito Naval e em 1983 a Colenda Congregação da Escola Politécnica outorgou-lhe o título de Professor Emérito. Mais recentemente, teve a satisfação de ter sua atuação como professor reconhecida pelos ex-alunos da Politécnica que lhe conferiram o título de Professor do Ano 2002.

Absolutamente ativo e jovial, conta com energia e disposição ímpares a prática do mergulho e da caça submarina que, por anos, praticou na Ilha Bela e em Ubatuba. E, para complementar este quadro, matando as saudades dos tempos de vôo em planador e avião, por vezes faz no computador simulações de piloto de avião. Em tom de brincadeira, diz que “comandando um Boeing 737-400, decolou de Zurique e, com os recursos de navegação por satélite, sobrevoou os Alpes gelados para pousar com sucesso no aeroporto de Malpensa, em Milão”.

Viúvo de Heloisa Jordão, está casado com D. Maria Davina de Pádua Salles Lacerda Ferraz. “Para ele, mais importante que a Politécnica, somente a família. Salvo cerca de um ano e meio dela afastado para atuar como engenheiro da Control Instrument Co., permaneceu em seu ambiente desde o dia de seu ingresso no curso Pré-Universitário, em 1937, até 1983, ano de seu formal desligamento dessa Instituição. Formal porque, na realidade continua comparecendo ao seu antigo Departamento onde lhe foi reservada uma sala compartilhada com mais três de seus professores. De sua longa permanência no ambiente politécnico resultaram fortes laços afetivos que se somaram a outros, longínquos e de outra natureza. Uma das noras de seu trisavô paterno, o Brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão, depois de enviuvar de seu filho Amador de Lacerda Rodrigues Jordão e herdar todos os seus bens, contraiu segundas núpcias com o então Visconde de Três Rios, depois marquês. Ela foi, portanto, a Senhora do Solar de Três Rios, onde, em 1894 a Politécnica iniciou suas atividades.” (Texto concedido pelo professor Rubens Guedes Jordão, 2003)

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