FORMANDO ENGENHEIROS E LÍDERES

FORMANDO ENGENHEIROS E LÍDERES

Prof. Dr. Paulo de Menezes Mendes da Rocha – 1943-1947

PauloDeMenezesMendesDaRochaExercício: 1943 a 1947

Proveniente de uma família com tradição na engenharia, Paulo de Menezes Mendes da Rocha nasceu na cidade de Barbacena, Minas Gerais , no ano de 1887 do casamento entre o baiano e engenheiro militar que servia no Regimento de Artilharia do Rio de Janeiro, na proclamação da República, Francisco Mendes da Rocha e de Dona Anna do Espírito Santo Menezes.

Casou-se com Angelina Derenzi Mendes da Rocha e teve três filhos: Paulo, Lina e Ana.

Desde os primeiros anos do século XX, a família Mendes da Rocha morava na encantadora ilha de Paquetá, na Baia de Guanabara e foi na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, Largo São Francisco que se titulou engenheiro civil e seguindo os passos do pai, que dirigiu o Serviço de Navegação do Rio São Francisco, dedicou-se à área de recursos hídricos e navais: “é uma vocação da família – os cursos dos rios, as águas do mar, os largos horizontes.” (NAKATA. Vera Lúcia, TORRE, Silvia Regina S.Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o arquiteto Paulo Archias Mendes da Rocha,2003)

Em 1939 prestou concurso para ingresso no corpo docente da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e, já no ano seguinte, tornou-se catedrático, lecionando a matéria intitulada Navegação Interior e Portos Marítimos. Da época, rememora o professor José Augusto Martins: “ele era professor de Navegação Interior e Portos Marítimos (…) tinha se dedicado a esses problemas e veio a São Paulo prestar um concurso brilhante. Nesse concurso, um dos membros da banca era o professor Maurício Joppert da Silva, que na ocasião, era considerado o maior especialista nesse campo e que fez grandes elogios ao concurso feito pelo professor Paulo de Menezes Mendes da Rocha” (NAKATA. Vera Lúcia, TORRE, Silvia Regina S. Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista do professor José Augusto Martins, 2003) . Entre os membros da banca estava também o Almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva que presidiu a Comissão Internacional de Energia Atômica enquanto representante do Brasil entre os países aliados na guerra. O professor Maurício Joppert da Silva foi ministro de Viação e Obras Públicas e mais tarde deputado federal. Essas breves referências mostram entretanto a consciência dos engenheiros e da engenharia nacional sobre a necessidade de uma política oportuna no emprego da técnica, para resolução dos problemas e desenvolvimento do país. Da mesma forma, no decorrer de dois anos, o professor Mendes da Rocha foi designado para assumir as cadeiras reunidas de Navegação Interior e Portos Marítimos. De 1943 a 1947 dirigiu a Escola Politécnica nos difíceis anos da guerra e de grandes transformações no ensino técnico de modo geral entre nós.

Sua vida foi assim repleta de histórias que povoaram sua carreira e seus feitos cotidianos. E é através de algumas lembranças desse passado que seu filho, Paulo Archias Mendes da Rocha, tentou recompor quadros dessa trajetória. Quando recém-formado era “querido dos professores” tanto que foi destacado pelos próprios mestres da Politécnica do Rio de Janeiro, logo depois de formado, para dirigir as obras de açudes no estado do Rio Grande do Norte a serviço do Departamento Nacional de Obras contra as Secas- DENOCS- em especial, o açude de Cruzeta cujas obras dirigiu do início ao fim. Dessa época- 1918- foram passadas de pai para filho diversas histórias dentre as quais as dos jagunços nordestinos que, cientes da importância representada por aquelas monumentais obras, para a população em geral, protegiam os engenheiros que lá trabalhavam, acompanhando-os nas expedições de demarcação para a instalação dos açudes. Em uma dessas noites, sob as fulgurantes estrelas dos céus do sertão, em meio à conversa no acampamento com os cangaceiros, Mendes da Rocha perguntou a um deles: – Mas você já matou alguém? Ao que o jagunço contestou: – Doutor, matar eu nunca matei…eu só espeto, quem mata é Deus! “são essas aventuras que vivia o engenheiro na época, coisas de Guimarães Rosa…” (NAKATA. Vera Lúcia, TORRE, Silvia Regina S.Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o arquiteto Paulo Archias Mendes da Rocha,2003).

Ao retornar desse trabalho no Nordeste, montou no Rio de Janeiro uma pequena empresa com a qual venceu a primeira concorrência para edificação de uma ponte sobre o Rio Santa Leopoldina, no interior do estado do Espírito Santo. Para fazer o aterro nas chamadas “cabeças da ponte”, viu-se na contingência de contratar um empreiteiro, imigrante italiano estabelecido no Brasil desde o final do século XIX. Como o advento dos tratores ainda estava por vir, contavam com equipamento constituído por carroças de burro, “ uma carrocinha que você tira uma trava e ela vira para trás como uma báscula, (…) os burrinhos vão em tropa, sem ninguém tomar conta (…). Esse foi o serviço contratado com o senhor Serafim Derenzi, que tinha uma filha lindíssima, chamada Angelina, com quem meu pai se casou (…) Ele [pai] ganhou dinheiro no Espírito Santo.” , (NAKATA. Vera Lúcia, TORRE, Silvia Regina S.Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o arquiteto Paulo Archias Mendes da Rocha,2003).

Assim, e já com o primeiro filho –que fala nessa entrevista- nascido em 1928, uma nova etapa passava a vigorar no caminho de Mendes da Rocha- os negócios com o café. No Espírito Santo, vale ressaltar, o solo propício permitia a colheita de grãos de ótima qualidade e a proximidade com o porto, facilitava o escoamento da produção- tornando a comercialização do café muito atraente. Não obstante, o colapso de 1929 fez com que essas expectativas retroagissem e o mestre fosse à bancarrota, a partir daí vivendo momentos de dificuldade financeira. À luz desses acontecimentos, a família teve que se mudar para a casa do pai, Francisco Mendes da Rocha, na ilha de Paquetá, onde viveram por três anos. As complicações acentuaram-se ainda mais, resultando na saída temporária da esposa e dos filhos para o Espírito Santo, na residência dos pais de Angelina Mendes da Rocha. Partiu sozinho para São Paulo em uma época que coincidiu com a Revolução de 32.

E foi nesse ínterim, conta seu filho, que se aproximou do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, IPT, de engenheiros como Adriano Marchini. Junto a essa equipe fez experiências e colaborou com a Revolução, na construção de artefatos específicos, como por exemplo, uma interessante autoclave de campanha.

Percebendo o alvorecer de uma situação favorável, por volta de 1935 trouxe a família para junto de si, instalando-se todos temporariamente em uma pensão. Pouco tempo depois, conseguiu um cargo na Secretaria de Viação e Obras Públicas, quando seus colegas do Rio de Janeiro chamaram-lhe a atenção para o concurso que estava sendo aberto na Escola Politécnica de São Paulo: “(…) mandaram avisar meu pai, que o concurso aberto na Politécnica era para ele, tinha que ser ele, o Mendes da Rocha (…); ele fez o concurso, eu assisti, fazendo parte da banca um almirante; enquanto os outros estavam de beca, ele vinha com um fardão(…) e daí para diante ele pode (…) exercer o brilho que estava dentro dele desde a sua juventude, um engenheiro brilhante. Brilhante sob todos os aspectos, feliz, porque se desencadearam nessa época obras muito interessantes em São Paulo [ feitas com os companheiros de trabalho]”. Obras essas dentre as quais pode-se destacar diversos exemplos: Aeroporto de Congonhas- onde os engenheiros definiram o local , escolheram os aviões e inauguraram o aeroporto com a fundação da VASP; as barragens, a Companhia Hidrelétrica de São Paulo no governo Garcez; a elaboração do projeto Urubupungá – Ilha Solteira e posteriormente a criação da Comissão Internacional da Bacia Paraná-Uruguai, voltada aos estudos integrados no sentido de aproveitar o potencial hidrelétrico da mesma forma que a navegação fluvial e o conseqüente desenvolvimento econômico da região. “ o projeto fundamental desses brilhantes engenheiros era ligar a Bacia Amazônica e a Bacia do Prata, coisas que os índios já fazem na época das cheias com canoas(…) e diziam eles [os engenheiros da época]: é abrir uma segunda costa no continente(…) [sob] o ponto de vista da técnica esse é um argumento, talvez o mais consistente dos argumentos (…) era de construir a paz na América Latina e aproximar os povos (…) esses projetos tem de ser feitos com os outros países pois as águas dos rios não são exclusivamente nacionais. (NAKATA. Vera Lúcia, TORRE, Silvia Regina S.Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o arquiteto Paulo Archias Mendes da Rocha,2003). Acerca dessa comissão, imbricada em processo de relevância nacional dado que culminou com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipú- rememora o professor Martins- tinha por propósito erigir uma usina totalmente brasileira; porém “esse projeto não pode ser realizado porque os estudos do professor Paulo de Menezes Mendes da Rocha, baseados no trabalho que eu acredito extraordinário do engenheiro Ernesto Pichler, do IPT, provaram que a rocha de montante era extremamente fissurada e a geologia local era imprópria para a formação de um reservatório para a usina hidrelétrica. Se essa obra fosse construída, haveria necessidade de eliminar todas as fugas de água. O preço seria proibitivo. A controvérsia que normalmente se originou entre o governo brasileiro e o governo paraguaio, foi dirimida com atuação, entre outros, do professor Mendes da Rocha, mostrando que a usina deveria ser construída a jusante da cachoeira. Dava uma barragem mais alta, mais segura e de menor comprimento e resolveria a pendência Brasil-Paraguai meio a meio. E também resolvia a pendência com a Argentina que queria construir as usinas Apipe eYacitera no mesmo rio, que inundariam a barragem. Mas essa estava na linha divisória, entre os países Paraguai e Argentina e o remanso não podia ser invadido respeitando doutrina internacional.” (NAKATA. Vera Lúcia, TORRE, Silvia Regina S.Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o professor José Augusto Martins, 2003).

Tendo em mente a força que a técnica em engenharia possui de propulsionar transformações na sociedade, o intuito maior dos politécnicos era, por meio de ferrovias e outros sistemas, ligar os oceanos Atlântico e Pacífico, de maneira a libertar a América do canal do Panamá e do estreito de Magalhães, como únicas alternativas. Tal vontade de conduzir mudanças presente na formação dos engenheiros, espraia-se ao longo de sucessivas gerações como é o caso do professor arquiteto Paulo Archias Mendes da Rocha, “era um estímulo à vida.” Além do que, “a Politécnica era uma sede de pensadores brilhantes. E eu devo a minha educação, a minha formação a isto, ao meu pai quem me fez freqüentar o IPT, o laboratório de ensaios com madeira, a construção de planadores, as viagens fora da costa para ver as instalações-fundações em tubulão pneumático dos portos de Imbituba, São Sebastião, Paranaguá (…) foi uma educação extraordinária”. (NAKATA. Vera Lúcia, TORRE, Silvia Regina S.Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o arquiteto Paulo Archias Mendes da Rocha,2003).

Assim, no papel de docente, elucida o mestre Martins, “fez escola” e teve dois assistentes que se tornaram discípulos de seu aprendizado- Carlos Eduardo de Almeida, que posteriormente o substituiu na cadeira que lecionava, e Célio Ferreira, professor também da Escola de Engenharia Mackenzie.

Discreto e respeitador no trato às pessoas, enquanto diretor, Mendes da Rocha não costumava comentar com a família os assuntos internos relacionados à faculdade. Não obstante, tinha por hábito fazer reuniões em sua residência discutindo os diversos problemas da escola, como também planejando as atividades relacionadas ao centro de pesquisas.

Dentre as amizades que cultivou ao longo desses anos, o filho destaca os professores Telêmaco Hipólito de Macedo van Langendonck, Carlos Alberto Vanzolini, Luiz Cintra do Prado, Antonio Carlos Cardoso, José Augusto Martins e muitos outros… Guarda em sua memória a faceta de um homem alegre e jovial – “Tinha uma família pouco numerosa, mas um de seus filhos hoje é um dos maiores arquitetos vivos do Brasil: arquiteto Mendes da Rocha foi professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.” (NAKATA. Vera Lúcia, TORRE, Silvia Regina S.Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o professor José Augusto Martins, 2003).

Em 1967, Paulo Menezes Mendes da Rocha aposentou-se pelo Departamento de Engenharia Hidráulica e foi agraciado com o título de Professor Emérito da Escola Politécnica de São Paulo. Faleceu com oitenta anos de idade – sua esposa, Angelina Derenzi Mendes da Rocha, faleceu em julho de 2008.

Por fim, as palavras de D’Alessandro arrematam esse caminho de vida: “ mais duradouras que as obras materiais que construiu, mais duradouras e mais fecundas, foram essas energias congregadas em torno dos problemas vitais da nacionalidade, que ele atacou desassombrado; foi a fé que o inspirou, foi, antes de tudo, dentro da sua obra dileta, a Escola Politécnica, esse patrimônio moral inesgotável que, de geração em geração, mais se avoluma, norteando a mocidade pelas tradições imorredouras do seu exemplo”. (D’ALESSANDRO, A. A Escola Politécnica de São Paulo, 1953).

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