FORMANDO ENGENHEIROS E LÍDERES

FORMANDO ENGENHEIROS E LÍDERES

Prof. Dr. Lúcio Martins Rodrigues – 1941-Jul/Dez

LucioMartinsRodriguesExercício: 1941 – Jul/Dez

Nascido em abril de 1876 na cidade de Santos, baixada litorânea do Estado de São Paulo, aos 6 anos de idade Lúcio Martins Rodrigues viu-se na contingência de, ao lado da mãe, mudar-se para o Rio de Janeiro em decorrência da prematura morte do pai. Ali, então, cursou o primário no colégio Pedro II, retornando, entretanto, à cidade natal para concluir os estudos secundários.

Com apenas 15 anos, ingressou no curso de engenharia da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e em 1894, aos 19 anos, findou a graduação. Decorridos três anos já tomava parte do quadro de engenheiros responsáveis pelas obras da Estrada de Ferro Central do Brasil, construindo o trecho Sabará a Curvelo no Estado de Minas Gerais. De acordo com as lembranças de seu neto – o matemático e professor Alexandre Augusto Martins Rodrigues – ele deteve-se, da mesma forma, aos levantamentos topográficos, os quais constituíram-se, posteriormente, de suma importância às construções que ali foram erigidas.

O ano de 1901 marcou o início de sua carreira no magistério. Foi o primeiro colocado no concurso para o Ginásio do Estado na cidade de Campinas (interior do Estado de São Paulo), em seguida nomeado pelo conselheiro e presidente do Estado Henrique Alves para o cargo de professor titular. Nesse ínterim, a Escola Politécnica de São Paulo também interessou-se pelo mister do professor Rodrigues. Logo, em 1902 tornou-se lente substituto da primeira seção de matemática. “Dois anos após, graças à competência e capacidade didática do jovem professor, por proposta da Congregação, o presidente Bernardino de Campos, por ato de 16 de abril de 1904, efetivou-o no cargo, cujo provimento era então, de caráter vitalício”. (GARCEZ, Lucas Nogueira. Oração comemorativa do centenário do nascimento do professor insigne Lúcio Martins Rodrigues, São Paulo, 1976).

Passados vários anos de sua trajetória na Escola, em 1932 foi designado a titular de Topografia, Geodésia Elementar e Astronomia de Campo e, mais adiante, devido ao falecimento do mestre Theodoro Ramos, foi transferido para a cadeira de Cálculo Vetorial e Mecânica Racional. Nos ofícios administrativos, por seu turno, igualmente ganhou destaque: entre 1938 e 1939 foi reitor da Universidade de São Paulo e, de julho a dezembro de 1941, assumiu a função de diretor da Politécnica.

Não obstante, seu caminho profissional também foi pautado por feitos de engenharia ligados ao transporte e ao desenvolvimento urbano de São Paulo. Nesse sentido, dedicou-se à construção do Porto de Santos e participou da comissão de saneamento da capital paulistana no alvorecer do século XX. Ademais, consta que durante cerca de 30 anos trabalhou como engenheiro de obras, revezando-se em cargos como engenheiro auxiliar, engenheiro-chefe e, interinamente, diretor de obras na Prefeitura de São Paulo. Vale ressaltar nesse entremeio que, em 1917, na gestão de Washington Luiz, foi nomeado ao lado de Caio Prado Jr. e Heitor Penteado, para organizar o 1º Congresso Paulista de Estradas de Rodagem.

A tal sorte de preparo intelectual, vem a somar a experiência adquirida em suas viagens ao exterior e ao lúcido conhecimento incorporado durante as visitas às cidades européias. Acerca do calçamento de Paris, por exemplo, o professor Rodrigues efetuou um trabalho que para além da análise de seus componentes, enfoca o serviço de esgoto, a edificação de praças e a urbanização tanto desta capital, como da França em seu conjunto, observando o embelezamento, o saneamento e as facilidades de comunicação que comporta. Os município franceses, acentuava, possuíam calçamentos constituídos de materiais diferenciados – “o granito, o betume, a madeira e o asfalto” – e o espaço urbano era conferido, dentre outros aspectos, por ruas largas e sistemas de drenagem que, em realidade, eram sustentados pela cobrança de taxas governamentais.“Em conclusão, verificamos directamente que a população de Berlim, a de Paris e a de 36 cidades da França, estão sob o regimen de contribuição para as despezas de serviço de calçamento. Na Alemanha, parece ser o facto geral, porque a lei de 2 de julho de 1875 estabeleceu o princípio de taxação sobre o proprietário benefeciado pela execução das obras.

A mesma ordem de cousas se extende hoje à Inglaterra, Itália e outros paízes do velho continente, como aos Estados Unidos da América do Norte, o que nos faz vêr o caracter geral, universal, do princípio referido, hoje consagrado no Urbanismo, como devendo presidir á organização dos serviços públicos d’essa natureza em qualquer cidade do mundo.” (RODRIGUES, Lúcio Martins, Boletim do Instituto de Engenharia, 1928).

No papel de segundo reitor da Universidade, durante o seu discurso de posse, lançou as bases que evidenciam a firmeza de seus propósitos e o papel que imputava à instituição no desenvolvimento do país: “ao tomar posse do cargo de reitor da Universidade de São Paulo, sejam as minhas primeiras palavras uma afirmação de fé, no papel que essa instituição está fadada desempenhar como principal propulsora do progresso moral e material da nossa terra, e progresso moral antes de material, não alimento ilusões sobre o esforço à despender num campo como esse, onde quase tudo ainda se está por fazer. A estrada é áspera e a jornada é longa e eriçada de dificuldades, mas já dizia o poeta: -viver é lutar. Posso afiançar-vos que o homem habituado aos estudos e encanecido ao contato diário dos livros há de encontrar na obra ciclópica da elevação e do aprimoramento no nível cultural de nossa gente, estímulo suficiente para levar avante o trabalho iniciado. É para isso que conto de antemão, como se faz mister, com apoio do governo do Estado e espero a eficiente colaboração dos ilustres colegas do conselho universitário, assim como, dos professores em geral da universidade”. No bojo dessas mesmas idéias ainda levantou a importância para a recém fundada Faculdade de Filosofia. (NAKATA, Vera Lucia M., TORRE, Silvia Regina S. Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o professor Alexandre Martins Rodrigues, 2003).

Dessa época, rememora o seu neto uma história que o docente lhe contou acerca da escolha do cargo na reitoria. Segundo ele, o reitor eleito já encontrava-se marcado por um rodízio dentre as mais tradicionais faculdades: Direito, Medicina e Engenharia. “Foi um acordo, não explícito (…) isso é interessante, eu sei esse dado porque ele [avô] me transmitiu (…) houve um entendimento não publicado que a reitoria seria ocupada periodicamente por cada uma das faculdades tradicionais: o primeiro reitor foi da faculdade de direito que era a mais antiga, o segundo reitor (…) eu acho que foi meu avô (…) cabendo à Escola Politécnica o segundo reitor, meu avó foi indicado. Mas [sobre] o relacionamento dele com o Adhemar Pereira de Barros, houve uma greve de alunos (…) meu avô tomou uma decisão que os alunos deveriam voltar às aulas antes que houvesse qualquer atendimento às reivindicações dos alunos (…) falou: (…) – vocês voltem às aulas e depois nós procuraremos atender aos seus requisitos. Então os alunos foram procurar o Adhemar Pereira de Barros, [e ele] dentro do espírito que caracterizava seu modo de fazer política populista disse [aos alunos]: -olha eu atendo a todas essas reivindicações (…) eram reivindicações materiais (…) No dia seguinte meu avó pediu demissão.” (NAKATA, Vera Lucia M., TORRE, Silvia Regina S. Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o professor Alexandre Martins Rodrigues, 2003).

O mestre José Augusto Martins, por seu turno, guarda na lembrança que “naquele tempo, a Universidade de São Paulo e suas escolas dependiam muito da ação direta do Governador do Estado. O Professor Lúcio Martins Rodrigues foi muito pouco tempo reitor da Universidade de São Paulo (…) era uma pessoa brilhante e bastante severa. Um fato que na época marcou a sua vida foi que como era dos hábitos, o Governador do Estado nomeava os professores, claro, após concurso, e os funcionários da universidade. Um dos funcionários nomeados não estava na lista das necessidades da Escola Politécnica e foi nomeado pelo interventor de então, que era Adhemar Pereira de Barros, sem anuência do reitor. O protesto desse homem, Lúcio Martins Rodrigues, mostra a sua estatura de homem de coragem. Ele nem foi ao palácio pedir demissão do cargo de reitor, simplesmente desapareceu desse cargo, em sinal de protesto.” (NAKATA, Vera Lucia M., TORRE, Silvia Regina S. Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o professor José Augusto Martins, 2003).

Dentre as características que lhe eram mais peculiares estavam a retidão de caráter e o apreço pela ciência. Esses temas embebiam de tal forma seu cotidiano, que o neto Alexandre rememora: “Eu desde muito jovem fui incentivado por uma esfera familiar que valorizava a ciência, a cultura e a ética. A influência oral era muito grande. Nas reuniões de família se conversava sobre ciência. Meu avô teve 13 netos [três deles professores universitários] eu, João Eduardo Vila Lobos (professor titular da Faculdade de Educação), Jessita Moltinho (da Faculdade de Filosofia, professora de sociologia).

O ambiente familiar, não mais intelectual, do ponto de vista afetivo, do entrosamento da família, era muito forte. Eu me reunia na casa de meus avós, eram 8 filhos, e os 13 netos (…) eu tenho uma lembrança muito forte dessas reuniões (…) o ambiente de solidariedade (…) uma família estruturada(…).”(NAKATA, Vera Lucia M., TORRE, Silvia Regina S. Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o professor Alexandre Martins Rodrigues, 2003).

Outro momento por ele relatado vem ainda a retratar o perfil do homem Lúcio Martins Rodrigues: “Eu estava com meu avô na Praia do Embaré em Santos, ele tinha uma casa em Santos. Eu devia ter (…) digamos 12 anos de idade. Meu avô estava andando na praia e eu ia seguindo os passos que ele estava deixava para trás. Ele (…) percebeu isso e me contou a seguinte história: olhe meu neto, você está repetindo um ato que o neto de Franklin fez, e ele me contou a seguinte história do presidente dos Estados Unidos: o Franklin estava andando na praia e o neto estava seguindo as pegadas que ele estava deixando na areia. E ele se voltou ao neto e disse: – Olha meu neto, feliz é aquele homem cujo neto pode seguir tranquilo as pegadas deixadas pelo avô (na vida, não na areia). E ele repetiu para mim essas palavras (…) E eu estou aqui, 60 anos depois repetindo a mesma história porque ela é marcante”. (NAKATA, Vera Lucia M., TORRE, Silvia Regina S. Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o professor Alexandre Martins Rodrigues, 2003).

Para além das fronteiras do âmbito familiar, enquanto membro do corpo docente da Politécnica, sua pessoa faz avultar diversas recordações, como a do professor Lucas Nogueira Garcez:: “(…) Fecho os olhos e parece-me que estou a vê-lo, alto, corpulento, tez muito clara, rosto corado e cabelos alvos, alvíssimos, tão brancos como o impecável avental que usava nas aulas. Professor que preparava escrupulosamente cada uma de suas preleções; que era perfeccionista nas demonstrações matemáticas, muitas das quais continha sua valiosa contribuição pessoal; que procurava inovar os métodos de ensino; sempre solícito na busca de novidades científicas e técnicas e sempre pronto a introduzi-las, quando conveniente em seus ensinamentos”. (GARCEZ, Lucas Nogueira. Oração comemorativa do centenário do nascimento do professor insigne Lúcio Martins Rodrigues, São Paulo, 1976).

Também dedicado ao universo da pesquisa, efetuou trabalhos na área de astronomia, dentre os quais seu neto Alexandre aponta o chamado Pêndulo de Foucalt – foi o primeiro a realizar essa experiência no Brasil -; um estudo sobre as marés e as fases da lua e uma análise acerca da história da navegação no século XVI. Em conjunto com o professor Theodoro Ramos e José Otávio Monteiro de Camargo foi o responsável pela introdução no ensino da Escola Politécnica do Cálculo Vetorial e a ele é conferido o mérito da montagem e edificação do Observatório Astronômico da Escola. Assim, por todos os seus feitos, em maio de 1946 recebeu o título de Professor Insigne.

Em 1943, “depois de mais de 42 anos como professor universitário, Lúcio Martins Rodrigues aposentou-se das atividades de docente. Mas não do estudo e da pesquisa aos quais se dedicou até o fim de seus dias, pois se manteve em plena lucidez e conservou inteiriça a curiosidade intelectual, até as vésperas de sua morte, ocorrida a 19 de agosto de 1970. Tinha então 94 anos (…).

Uma longa vida, sem dúvida. Porém o que mais importa, uma grande vida.

Porque Lúcio Martins Rodrigues não foi apenas o Professor Insigne ou o engenheiro excepcional, o que já seria muito.

Mais do que isso, Lúcio Martins Rodrigues foi um grande homem.

Não se contentou sem contemplar a beleza das conquistas cientificas e técnicas e procurar-lhes as raízes. Tão pouco se limitou a penetrar os arcanos do pensamento científico ou a buscar a beleza de suas formas e expressões.

O seu longo magistério serviu principalmente como um testemunho vivo da nobreza de caráter, de firmeza de opiniões, de sentimentos de justiça, de generosidade e de bondade. (…)

Por isso nos lembramos de Lúcio Martins Rodrigues, com saudade, com respeito, com amor. Um grande homem!” (GARCEZ, Lucas Nogueira. Oração Comemorativa do Centenário do Nascimento do Professor Insigne Lúcio Martins Rodrigues, 1976). Essas palavras vem a refletir o reconhecimento dos politécnicos à luz da memória da instituição.

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