FORMANDO ENGENHEIROS E LÍDERES

FORMANDO ENGENHEIROS E LÍDERES

Prof. Dr. Antonio Hélio Guerra Vieira – 1980-1982

AntonioHelioGuerraVieiraExercício: 1980 a 1982

Antonio Hélio Guerra Vieira nasceu no dia 14 de julho de 1930 na cidade de Guaratinguetá (São Paulo). Os avós paternos foram fazendeiros de café do Vale do Paraíba, porém, por ocasião da abolição da escravatura, acabaram por perder a propriedade na medida em que o valor remontante aos escravos suprimia o preço das terras. Seu pai, nascido em Garatinguetá, e sua mãe, natural de Silveiras – cidades estas circunvizinhas no interior do Estado de São Paulo – , estudaram no Colégio Normal e foram professores primários.

Pela tradição materna no âmbito jurídico, inclusive possuindo um antigo ascendente formado, em 1856, pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Hélio Guerra cogitou, inicialmente, ser bacharel nessa área. No Brasil, com o tradicional imbricamento entre direito e literatura, chamava-lhe a atenção, de modo especial, a fase poética do Romantismo do século XIX, com as obras de Álvares de Azevedo e Gonçalves Dias. Não obstante, assim que concluída a etapa de estudos no Colégio Rooosevelt, optou por engrenar-se no campo de exatas ao prestar os exames para a Escola Politécnica.

A mudança no caminho profissional não descontetou a família. Em realidade, dentre as lembranças do pai encontrou folhetos datados de 1925 para a inscrição no vestibular da Politécnica.

O ocaso da década de 1940 assinalava um grande crescimento no setor de construções civis, principalmente no que tange à edificação de pontes, prédios, estradas e outros componentes que marcaram o cenário urbano da capital paulista. No entanto, em 1953, ano de sua formatura, o impulso que as indústrias automibilísticas passaram a tomar era patente.

Assim, o primeiro emprego foi na fábrica de automóveis da Ford e no seu primeiro registro na carteira de trabalho carimbado o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo – cidade pertencente ao reduto industrial do Estado de São Paulo.

Decorrido apenas um mês na empresa, foi convidado pelo professor Luiz de Queiroz Orsini para integrar o corpo docente da Escola Politécnica, no entanto, preferiu aprimorar ainda mais seus conhecimentos ao partir para a França com o intuito de ali realizar seu doutorado. Em Paris, durante um ano, contou com bolsa cedida pelo governo francês e posteriormente com o auxílio do CNPq, conseguido pelo mestre Luiz Cintra do Prado.

Como não poderia deixar de ser, rememora que a trajetória estudantil enovelou-se à influência de alguns mestres. Em primeiro lugar, na infância, seus pais, que eram professores dedicados ao ensino primário. Logo, na Politécnica, o docente Orsini esteve presente em vários momentos de sua formação. Na época em que foi assistente-aluno e quando realizava grupos de estudos e seminários, direcionando-o à textos “altamente atualizados” e encaminhando-o “nos hábitos de trabalho”. Tal aproximidade foi ainda mais acentuada por ocasião de trabalharem no mesmo laboratório francês.

O professor Oswaldo Fadigas Fontes Torres, por sua vez, constituiu-se também em importante apoio, dado que “vibra com as inovações e protege as pessoas que (…) vê potencial grande” incentivando, aliás, o aperfeiçoamento profissional dos docentes ao propiciar estudos no exterior, idéia essa que, inclusive, compartilha.(NAKATA, Vera Lucia M., TORRE, Silvia Regina S. Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o professor Antonio Hélio Guerra Vieira, 2003)

De toda forma, regressando da Europa retomou a docência, participando ativamente dos diversos empreendimentos da Escola. E durante o período em que estiveram à frente da direção os professores Tharcísio Damy de Souza Santos e Oswaldo Fadigas Fontes Torres, colaborou para a formação do Departamento de Engenharia Elétrica; tomou parte do grupo que elaborou o projeto do primeiro computador montado na Universidade de São Paulo – o chamado “Patinho Feio” ou Projeto G-10; e já como professor titular, fundou Laboratório de Sistemas Digitais (LSD).

Laboratório este que, de acordo com o elucidado por Lúcia Filgueiras, “foi o resultado das idéias e da visão de futuro do professor Antonio Hélio Guerra Vieira e também a confiança e capacidade de seus colaboradores. Antecipando o papel da informação e dos computadores na vida moderna. (…) Criando, em 1977, um curriculo pioneiro. Ousando implantar a nova tecnologia.

Coube a este grupo fazer para o país não só seu primeiro computador, mas introduzi-lo ao serviço da sociedade, em tantos aspectos da vida moderna no país. Através de convênio com empresas estatais e privadas, nacionais e multnacionais – projetos de pesquisa e de desenvolvimento, criaram e executaram tecnologia de ponta.” (FILGUEIRAS, Lucia Vilela Leite. “PCS: Investindo na educação tecnológica” IN: Revista Politécnica, 1993.)

Por outro lado, o ingresso nas funções administrativas da Escola deu-se em uma situação peculiar. Certa feita, três dos ex-diretores da Politécnica – Tharcísio Damy, Oswaldo Fadigas e José Augusto Martins – , entraram em sua sala solicitando com firmeza que assumisse a diretoria. Assim, após ter sido vice-diretor na gestão do professor Martins, estreou na administração geral da faculdade, como era corrente na época, com o assentimento dos antigos diretores.

Por dois anos (1980 a 1982), o docente dirigiu a Escola, sendo um dos baluartes de suas articulações a descentralização das decisões. Para tanto, criou comissões, como as de Graduação e Pós-Graduação, hoje institucionalizadas, que trouxeram em seu bojo maior comprometimento e participação dos professores nos atos decisórios que congregavam a Politécnica.

Já em 1982, ampliava os horizontes de seus ofícios administrativos ao candidatar-se à reitor – era o quarto da lista. O então governador Paulo Salim Maluf acabou por elegê-lo, dentre os outros fatores, por ser politécnico. Recordando esses tempos, o professor Hélio Guerra comenta que o conhecia somente de vista, dado que, quando ainda era estudante, Reinaldo de Barros e o futuro governador aportaram à Escola com grandes e importados carros.

No período em que foi reitor enfrentou fortes oposições tanto de direita quanto de esquerda, e, por conta disso, com o intuito de obter maior respaldo político, pediu ao professor Martins que assumisse novamente o cargo de diretor da Politécnica. A direita, neste caso, era representada por Antonio Britto da Cunha e o Jornal O Estado de São Paulo e a esquerda por Dalmo de Abreu Dallari – que não conseguiu eleger-se para a lista interna da própria Universidade – e por aqueles que formavam o nascente Partido dos Trabalhadores (PT).

Entremeado ao período ditatorial, sob a égide do governo militar, preocupou-se com os possíveis incidentes e intervenções que o Estado acarretaria à Universidade. Logo, utilizando-se da mais profícua diplomacia fez com que o grupo de militares presente na reitoria se retirasse, ao mesmo tempo em que recontratou os docentes àquela época cassados e que quisessem retornar às atividades na instituição.

Assim, em seu primeiro discurso no papel de reitor propôs “que a USP procure encaminhar (…), com os graus de liberdade que dispõe, a sua reformulação interna, sem aceitar como definitivas as restriçòes advindas de normas externas, de algum modo inadequadas: Proponho que, simultaneamente, participe do processo de revisão do ensino superior do país. Que mobilize a sua própria experiência nacional acumulada, para oferecer, finalmente, uma formulação da questão da universidade, tanto no plano conceptual quanto no estrutural. E eu imagino que a Universidade a ser formulada deve ter preservadas as suas múltiplas dimensões, mas na perspectiva do século XXI.” (VIEIRA, Antonio Hélio Guerra. “Discurso de posse na Reitoria da Universidade de São Paulo (1982).” IN Conceitos sobre a USP. São Paulo: CODAC/USP, 1986)

E foi nesse sentido que encaminhou seus esforços de trabalho. O Hospital Universitário (HU) estagnado em seus propósitos pela absoleta infra-estrutura alemã – até mesmo a fiação era provinda da Alemanha – , foi submetido com a ajuda da Dra. Lourdes de Freitas Carvalho – superintendente do hospital – a profundas reformas. Tais modificações trouxeram como resultados o aumento do número de leitos, comportando a partir daí o significativo montante de 400, e a melhoria na qualidade de atendimento.

Da mesma maneira, dois anos após assumir a reitoria, postulava maiores investimentos governamentais, por ocasião das comemorações dos 50 Anos da Universidade de São Paulo, demonstrando sua aplicabilidade, dado ser este complexo universitário o “maior patrimônio cultural do Brasil.” (VIEIRA, Antonio Hélio Guerra. “US. 50 Anos.” In: Conceitos sobre a USP. São Paulo: CODAC/USP, 1986)

Acerca do ensino de engenharia, por sua vez, o professor Hélio Guerra mantém uma perspectiva crítica frente ao modelo atual. Em sua concepção, o aprendizado empreendido na Escola Politécnica, cujo alicerce de sustentação é o ciclo básico em que os alunos debruçam-se sobremaneira em física e matemática – assim como demandam os preceitos positivistas do século XIX – , os distancia da realidade do mercado de trabalho. Considerando esse fator, uma das possíveis saídas seria a instituição do diploma técnico no meio da graduação, a exemplo do título de engenheiro agrimensor que existia anteriormente – recebido pelo docente quando estava no segundo ano da faculdade. Com essas renovações o curso iria adquirir uma dimensão “mais moderna”, além de voltar-se a um aspecto mais prático e, por assim dizer, tecnológico, como aquele existente no âmbito alemão com a categoria de “manual.”

Para o mestre, uma escola de excelência só pode ser formada por meio de um rigoroso processo de seleção, uma ampla infra-estrutura de biblioteca e bons professores. “O compromisso da escola e dos professores é com os alunos.” (NAKATA, Vera Lucia M., TORRE, Silvia Regina S. Della e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o professor Antonio Hélio Guerra Vieira. 2003).

Versado não somente em engenharia, a experiência como reitor lhe rendeu o desenvolvimento de habilidades também na área de humanas. As reflexões acerca do papel científico e institucional da Universidade proporcionaram uma amplitude de visão para os campos político, social, econômico e mesmo histórico.

Tal bagagem de conhecimentos vem ainda a ser denotada pelo suscedâneo de títulos que percorreram sua trajetória profissional. É doutor em Ciências pela Escola Normal Superior de Paris, doutor em Engenharia e livre-docente pela Escola Politécnica da USP, aí também nomeado professor titular e catedrático. Presidiu a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e foi condecorado Eminente Engenheiro do Ano de 1977 pelo Instituto de Engenharia.

Ademais de presidir o dito instituto, tornou-se recentemente, em 2002, Professor Emérito, com mais de 90 publicações técnicas, conferências e comunicações apresentadas no Brasil e no exterior.

Nos dias de hoje, o docente é presidente da Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico de Engenharia (FDTE) e atua em projetos de grande porte como o de distribuir sinais de celular dentro do Metrô.

Antonio Hélio Guerra Vieira é afeito e dedicado ao seu trabalho, porém, zeloso e presente na família. Casado com a Sra. Silene, mineira e formada em Artes Plásticas, possuí cinco filhos – os dois primeiros cursaram faculdade, uma está fazendo doutorado e os dois últimos já se inseriram bem no mercado de trabalho. Nos momentos de descontração, um de seus passatempos prediletos é a fotografia – auxiliado pela esposa, tem um acervo em CD-Rom com mais de 1500 fotos.

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