FORMANDO ENGENHEIROS E LÍDERES

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Pesquisa da Escola Politécnica da USP mostra que a Defesa Civil
do município é avançada em termos de resiliência urbana.

Em seu mestrado em Engenharia Civil na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), a geógrafa Karolyne Ferreira estudou as formas de gestão e a atuação da Defesa Civil de Santos e constatou que suas boas práticas podem servir como benchmarking para órgãos equivalentes de diversos Estados e cidades do País. Para a pesquisa, ela usou o conceito de resiliência urbana, relacionado ao poder que um município tem de responder e se recuperar rapidamente de um desastre, o que envolve diretamente o papel e ação da Defesa Civil.

A resiliência urbana vai além da resolução dos problemas que decorrem de um desastre, pois envolve questões preventivas. No estudo de caso de Santos, a pesquisadora avaliou até que ponto a cidade avançou em resiliência e como isso impactou positivamente o município. O ponto de partida foi o Plano Preventivo de Defesa Civil (PPDC), que o município passou a adotar desde 1989 e que contou com o envolvimento de vários órgãos da gestão municipal, do governo estadual e até federal, o que se coaduna com o conceito de resiliência que ela utilizou como base na sua análise.

Uma das bases do PPDC, conta a pesquisadora, foi um mapeamento do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) que resultou na primeira carta geotécnica em ambiente urbano no Brasil, abarcando os morros de Santos e São Vicente. “O PPDC de Santos é instrumento de convivência com o risco. Orienta ações para evitar a perda de vidas humanas, e é baseado na possibilidade de agir antes do desastre em si”, explica Karoline. O Plano prevê a montagem de equipes de plantão 24h no verão; um plano específico de contingência; a definição de apoio logístico; o cadastro de áreas de risco; o desenvolvimento de atividades de capacitação, informação e conscientização para população que mora em área de risco; e a criação e manutenção de estoque de materiais estratégicos para fase de socorro.

As ações são respaldadas por dados fornecidos por diversos órgãos, como informações geomorfológicas, geológicas e climáticas do Instituto Geológico de São Paulo (IG) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). E contam também com a parceria da Defesa Civil estadual.

O monitoramento das chuvas é a grande preocupação das equipes, diz a pesquisadora. Em conjunto com a Defesa Civil Estadual e com base em outro estudo do Instituto de IPT, foi definido um coeficiente de quantidade de precipitação que pode desencadear um escorregamento. A partir dele, determina-se o estado de observação, atenção e alerta para as populações das áreas de risco.

“A resiliência urbana em Santos é fortalecida por causa das ações preventivas. Antes do período de chuvas, os agentes da Defesa Civil percorrem áreas de risco e entregam informativos para a população”, conta Karolyne que acompanhou o trabalho dos agentes. “Nesse informativo, tem um protocolo que o morador assina, coloca número de telefone e as informações entram em banco de dados da Defesa Civil, de forma que eles emitam alertas via SMS para as pessoas”, conta.

Em paralelo, há treinamentos anuais para a população por meio do Núcleo Comunitário de Defesa Civil. “A Defesa Civil mantém uma relação constante com a comunidade, durante o ano todo, o que já faz a população ficar em alerta. As próprias pessoas reportam problemas nas visitas dos agentes – rachaduras, árvores tortas –, demonstrando estar consciente dos sinais de risco. Esse contato frequente com os moradores amplia a eficácia do plano”, destaca.

Aprimoramentos – Na pesquisa, Karolyne analisou os instrumentos legais na gestão de riscos de escorregamentos por parte da Defesa Civil. Apesar de ser considerado um exemplo, Santos ainda pode aprimorar vários aspectos. “Não basta ter o instrumento legal, é preciso ter profissionais que saibam interpretá-los, articulá-los e operacionalizá-los”, aponta.

Ela alerta também para o fato de a Defesa Civil não conseguir trabalhar, sozinha, em todas as etapas do ciclo de gestão em desastres, que inclui medidas de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação. “Esse conjunto de ações deve ser integrado à gestão territorial e ser intersetorial, ou seja, é preciso ser um compromisso de todas as secretarias municipais, mas especialmente das secretarias de Saúde, Assistência Social, Habitação e Meio Ambiente”, completa, lembrando que o ideal para o município seria acelerar as ações de realocação das famílias que estão morando em áreas de risco e as obras que podem ser feitas para tornar mais seguras as moradias em morros habitáveis.

Outro aspecto é a criação da carreira de agente da Defesa Civil, hoje inexistente nos concursos públicos. Os funcionários são, em geral, realocados de outras áreas de governo para os órgãos. “Essa é uma demanda das próprias Defesas Civis de vários municípios e Estados e é importante reconhecer a carreira, como forma de manter os profissionais atuando e não perder a experiência e conhecimento acumulados”, afirma.

Resiliência como política – No Brasil, esse conceito está contemplado na política pública brasileira, cuja evolução mais recente foi a lei 12.608/2012, que instituiu a Política e o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil. Segundo o professor Alex Abiko, do Departamento de Engenharia de Construção Civil) da Politécnica, que orientou a pesquisa de mestrado, a resiliência se tornou um tema constante nos debates de engenharia e planejamento urbano. “A resiliência nasceu do processo de amadurecimento das próprias ações e da política pública existente em relação à Defesa Civil. O Brasil tem uma estrutura bem implementada, mas ainda muito focada na resolução dos problemas decorrentes dos desastres. É preciso avançar mais em ações preventivas”, finaliza.

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