Escola Politécnica

Formando engenheiros e líderes

Pesquisadora da Poli conta como é atuar em construções subterrâneas

A Dra. Daniela Garroux Gonçalves de Oliveira é pós-doutoranda na Poli e uma das primeiras mulheres a ocupar um cargo na diretoria do Comitê Brasileiro de Túneis (CBT)

A aluna de pós-doutorado do Departamento de Engenharia Civil da Escola Politécnica (Poli) da USP, Daniela Garroux Gonçalves de Oliveira, é uma das mulheres pioneiras no setor de túneis e obras subterrâneas no Brasil. Ela atualmente é tesoureira do CBT e a uma das primeiras mulheres a ser membro da diretoria do Comitê. Na sua trajetória, Daniela teve que provar seu valor em um ambiente dominado por homens e, hoje, é uma profissional de destaque na área.

Desde criança, Daniela demonstrava interesse pelas ciências. “Eu passava as minhas tardes olhando coisas nos livros de ciências e, desde pequena, eu tinha obsessão por fazer buracos no jardim de casa”, conta a pesquisadora. Essa curiosidade pelo subsolo foi o motivo de Garroux optar pela graduação em Geologia, no Instituto de Geociências (IGc) da USP. O curso tinha uma participação feminina considerável, com cerca de 45% de garotas na turma. Contudo, o setor de atuação escolhido pela geóloga, a área de túneis, sempre foi dominada por homens. “Quando eu vou em congressos, são de 5% a 10% de mulheres no máximo”, detalha.  

O interesse por túneis surgiu quando Daniela fez um estágio no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Nesta época, ela tinha maior interesse pelo estudo da Geotectônica e não planejava atuar em uma área que envolvesse geologia de engenharia. “Os orientadores do IPT mudaram a direção da minha especialização”, conta Garroux. A pós-doutoranda explica que a razão disso foi que um dos orientadores disse uma frase que mudou sua visão de carreira: “Geólogo de engenharia é o geólogo que mais se satisfaz, porque nós podemos prever algo, e com a escavação podemos verificar se estávamos certos ou não”.

Neste intervalo, o IPT desenvolvia diversos projetos de túneis, dos quais Daniela participou. Nesses projetos, ela teve contato com geólogos de engenharia e engenheiros que a fizeram se apaixonar pela área de túneis. 

Mercado de Trabalho – Com o fim da graduação, Daniela viveu um período sabático, no qual viajou o mundo e se distanciou da geologia de engenharia. Na sua volta ao Brasil, ela relatou ter tido dificuldades para se restabelecer na área de geologia, visto que a maioria dos lugares não viam com bons olhos o seu período de afastamento da profissão. 

Daniela  se dedicou então aos estudos e ingressou em 1º lugar e com bolsa no mestrado em Meio Ambiente e Hidrogeologia pelo Instituto de Geociências (IGc) da USP. “Foi bem difícil no começo”, relata Daniela. Ela começou a trabalhar em uma mina subterrânea no interior da Bahia, e era a única mulher entre todos os outros funcionários da mina. “Era horrível! Não tinha bota do meu tamanho, eu calço 35 e eles me deram uma bota tamanho 40. Eu ficava atolada no túnel e o pessoal precisava me ajudar a andar”.

Enquanto estava neste emprego, Daniela prestou um concurso para a Companhia  Metropolitano de São Paulo, no qual passou também em 1º lugar. A partir de então, sua vida mudou. Ela trabalhava no metrô de São Paulo, fazia mestrado e começou a prestar consultorias, e também trabalhou na construção do metrô do Rio de Janeiro. Em uma das suas visitas às estações, ela viu a caverna de onde partiria a máquina tuneladora, que estava ainda embalada, e descobriu que era aquilo que ela queria fazer da vida. Assim, começou a estudar tudo sobre as tuneladoras e publicar artigos sobre o tema.

Experiência no Exterior – Posteriormente, a geóloga entrou em contato com um renomado professor canadense da área de túneis, Mark Diederichs, que a convidou a realizar seu doutorado em Geologia de Engenharia na Queen’s University, em Kingston, Canadá. No doutorado, Daniela foi co-orientada por um especialista em tuneladoras, o professor Markus Thewes, da Universidade Ruhr Bochum em Bochum, na Alemanha. Seu doutorado gerou uma cooperação entre as duas universidades.

A geóloga desenvolveu um equipamento para facilitar o trabalho nos túneis baseado em um de seus passatempos favoritos, a fabricação artesanal de pães. “Quando tuneladoras escavam solos argilosos, o material escavado pode ficar grudado nas partes metálicas da máquina, e isso atrasa a obra, elevando seus custos. Esse fenômeno se chama clogging”, relata Daniela sobre um problema recorrente na construção de túneis que pode render muitos prejuízos para as empresas. O ATUR, equipamento criado pela doutora, objetiva identificar a ocorrência e, consequentemente, minimizar os prejuízos causados pelo clogging. “O ATUR surgiu como uma alternativa prática e de baixo custo para estimar o potencial de clogging e se um produto diminuirá essa condição ou não. Esses testes podem ser feitos tanto em laboratório como na obra, pois requerem equipamentos simples e de fácil transporte”, explica ela.

“Eu descobri o ATUR um pouco sem querer” acrescenta a pesquisadora. Ela estava realizando um experimento com uma batedeira para descobrir quanto de solo ficava grudado na pá depois de girar no solo por 3 minutos, um método criado na Universidade de Zurique (ETH).  Nesse experimento, ela utilizava solos mistos compostos por areia e argila, a partir disso, ela percebeu que dependendo do solo, se ela batesse uma vez na pá, alguns solos se desprendiam facilmente do objeto, enquanto que com outros solos era necessário bater muitas vezes. “Aí pensei: humm, e se eu fizer a pá cair sempre no mesmo eixo”, explica a pós-doutoranda. Por meio da queda da pá é possível diagnosticar a existência e a quantidade de clogging nos solos.

O nome original do ATUR  era para ser Arthur em  homenagem ao Arthur Casagrande, engenheiro que definiu os limites de Atterberg e aluno de Karl Terzaghi, considerado o pai da mecânica dos solos. “Então, meu colega alemão me ajudou a dar um nome mais técnico”, compartilha a criadora. ATUR significa em alemão: Adhesive Töne Untersuchung RUB/Queens, a tradução para o português é Equipamento de Adesão de Argila RUB (Ruhr University Bochum) e Queens (Queens University). 

Após finalizar o doutorado, em 2018, Daniela trabalhou na empresa Herrenknecht AG, uma das principais fabricantes de tuneladoras do mundo. Na empresa, ela desenvolveu várias pesquisas, e era a única mulher da equipe. “Era tudo muito desafiador”, conta a doutora. Ela também trabalhou com a empresa Tunnelsoft, da BabEng, de dois irmãos reconhecidos por consultoria especializada em escavações mecanizadas, Lars e Tim Babendererde. Já nessa empresa, a percentagem de mulheres era bem maior, metade da empresa era composta por  geólogas e engenheiras.

Laboratório de Túneis Mecanizados da Poli

No ano passado, Garroux retornou ao Brasil e ingressou na Poli para realizar o pós-doutorado, além de abrir sua própria empresa de consultoria em geologia de engenharia, a TunGeo. Seu projeto é orientado pelos professores do Departamento de Engenharia de Construção Civil , Antonio Figueiredo, Fernando Kurokawa e pela professora do Departamento de Estruturas e Geotécnica,  Maria Eugênia Boscov. “O legal é isso, eu sei da parte de tuneladora e eles sabem das partes que vão alimentar a pesquisa”, explica a pós-doutoranda. 

Eles irão iniciar os testes para a pesquisa nos Laboratórios de Mecânica dos Solos e pelo Laboratório de Materiais, Componentes e Processos Construtivos. O laboratório de Túneis Mecanizados, no qual serão realizados os principais testes da pesquisa, está em fase inicial de implementação. “Quando tiver montado, vai parecer uma cozinha. Você vai entrar e achar que está em uma confeitaria”, explica a doutora.

O Laboratório de Túneis Mecanizados será o primeiro da América Latina e o segundo das Américas. Em muitas obras subterrâneas, a argila gruda na tuneladora. O intuito da pesquisa é desenvolver maneiras que possibilitem a detecção de solos que possuem essas argilas, e possibilitar que os engenheiros evitem essas áreas. Para desgrudar a argila dos equipamentos é necessário a utilização de substâncias químicas, porém cada argila precisa de um tipo de substância química distinta. Por isso, eles também realizarão testes com a argila e os produtos químicos para descobrir quais produzem efeito. Quando os resultados desses estudos forem aplicados no cotidiano dos túneis, eles auxiliarão na economia de tempo e dinheiro das obras. Além disso, irão testar o condicionamento dos solos. Quando o solo é escavado por uma tuneladora do tipo EPB, ele é misturado com espumas e outros aditivos, para atingir a consistência e trabalhabilidade ideais. Esse é um processo essencial na escavação com tuneladoras e todavia carece de mais pesquisas e desenvolvimento.

Diretoria da CBT

Em 2014, Daniela começou a frequentar os eventos do Comitê Brasileiro de Túneis (CBT), assim como da Associação Internacional de Túneis e Espaços Subterrâneos (ITA-AITES), participando pela primeira vez do Congresso Internacional de Túneis, em Foz do Iguaçu. Até 2018, ela era a única mulher da delegação brasileira nos congressos. Daniela também começou a participar de grupos de trabalho da Associação Internacional de Túneis (ITA-AITES). 

Em 2014, a ITA-AITES criou Os Jovens Tuneleiros, um projeto para incentivar os tuneleiros recém-formados a ingressarem na área de túneis. “Quando o grupo brasileiro foi criado, eu já não tinha mais idade, eu já tinha mais de 35 anos. Eu tentei entrar, porque eu queria participar”, comenta  a pós-doutoranda. Daniela não pode ingressar no grupo de jovens tuneleiros brasileiros, mas devido sua insistência em participar foi intitulada a madrinha do grupo brasileiro (Associe-se gratuitamente em https://www.tuneis.com.br/youngmembers-cadastro/). 

A doutora comentava com seus colegas sobre a falta de representatividade feminina nas lideranças do CBT. Com isso, os diretores do comitê decidiram que deveria haver uma mulher em um dos cargos da diretoria. Com o retorno de Daniela ao Brasil, ela foi convidada para compor a diretoria da CTB como tesoureira, sendo uma das primeiras mulheres a ocupar um cargo de diretoria no Comitê. Antes dela, em 1990, data de criação do comitê, a engenheira Vera Sardinha, da SABESP, ocupou o cargo de vice-presidente.

Daniela relata que quando começou a frequentar os congressos, sentiu que os homens não davam atenção para o que ela falava, tendo assim que provar seu potencial constantemente. “Eu também recebi um pouco de flerte, pessoal ia para outro lado, o que era bem desafiador”, conta sobre o começo de sua atuação profissional. Depois que Daniela cresceu na carreira, fez várias publicações e apresentações, começou a ser respeitada por seus colegas.

Para auxiliar na mesa-redonda organizada sobre mulheres tuneleiras, que ocorrerá hoje às 19 horas, pelo canal do CBT no YouTube (https://youtu.be/IrQlBlX5594), Daniela pretendia fazer gráficos com a estimativa da participação de mulheres na área de túneis mundialmente. Porém, durante suas pesquisas, descobriu que esses dados não estão disponíveis, mas que em muitos países estão surgindo associações pela equidade de gênero na área. Na maioria dos países, os membros da área acreditam que há no máximo 15% de mulheres no setor.

A doutora Daniela pontua que é mais difícil para as mulheres alcançarem altos postos em áreas dominadas por homens, como a de túneis: “Muitas vezes não vão prestar atenção no que você fala e faz”. Ela incentiva  garotas que têm interesse em seguir nessa área, porque apesar das dificuldades, a visão que as mulheres oferecem em seu trabalho representa um diferencial.

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