FORMANDO ENGENHEIROS E LÍDERES

FORMANDO ENGENHEIROS E LÍDERES

“Fui o primeiro da família a cursar ensino superior, e em universidade pública, isso vai impactar muitas gerações”

Matheus Dalboni Silva, de 26 anos, se formou em engenharia civil na Poli-USP e fez intercâmbio em universidade italiana, onde teve um excelente desempenho acadêmico 

Matheus Dalboni Silva colando grau em março de 2020 na Escola Politécnica da USP. (Imagem: acervo pessoal).

O engenheiro civil Matheus Dalboni Silva, formado em 2020 pela Escola Politécnica (Poli) da USP, foi o primeiro da família a cursar ensino superior, e a estudar em uma universidade pública. Mas esta não foi a sua única conquista durante a graduação. Devido ao seu excelente desempenho nas aulas, Matheus conseguiu uma oportunidade com a qual nunca sonhou, e sequer conhecia antes da graduação: o intercâmbio acadêmico. Suas boas notas garantiram uma vaga no concorrido processo de seleção de estudantes nos programas de Duplo Diploma da Poli, por meio do qual ele passou dois anos estudando na Politecnico Di Milano, em Milão, na Itália. 

Os desafios enfrentados pelo então estudante foram além do esperado para um intercâmbio, que são o choque cultural e o idioma. Ele teve que encontrar uma forma de viabilizar o projeto financeiramente, uma vez que não contava com bolsa de estudos, e sua namorada cedeu os recursos necessários para que ele não tivesse que desistir. Matheus aproveitou a oportunidade, e estudava muito antes e depois das aulas, o que ele conta que o ajudava a se sentir preparado na hora das provas do curso “Gestão do Ambiente Construído”, voltado para o gerenciamento de projetos de construção no pós-obra. Seu esforço foi recompensado com a nota máxima e méritos no curso, 110, um feito muito raro até mesmo para os nativos, e uma exceção ainda maior para alunos estrangeiros e sendo um dos únicos em uma formatura de 15 alunos estrangeiros e italianos do curso a se sobressair com nota máxima .

Isso significa que ele obteve a nota máxima, equivalente a 10, na sua média geral de todas as disciplinas ao longo dos dois anos de intercâmbio na universidade italiana. Além do excelente desempenho nas disciplinas, Matheus ainda conseguiu nota máxima na tese. Para o sistema italiano, o que é diferente do restante da Europa, alcançar nota máxima nas disciplinas é raro entre os próprios estudantes nativos.

Para alcançar essa performance, o engenheiro conta que, diante dos desafios, se motivava cada vez mais, e passava horas se dedicando para fazer valer a pena toda ajuda financeira que recebeu durante a sua estadia. “Estudava muito para poder representar o Brasil, a Poli e as pessoas que acreditaram em mim”, pontua ele. 

Todo o ensino na rede pública – Antes mesmo de sonhar com um intercâmbio acadêmico como esse de Duplo de Diploma, Matheus estudou em escola pública ao longo de toda sua vida, e é protagonista de uma trajetória de persistência e descobertas que o diferencia de muitos alunos que entram na Universidade diretamente do ensino médio . “Minha trajetória foi um pouco conturbada, não foi igual a maioria dos meus colegas. Comecei a trabalhar muito cedo, desde os 14 anos. No ensino médio, eu estudava à noite para poder trabalhar durante o dia. Isso já me deu bastante maturidade para entrar na Universidade, com a mentalidade de que eu tinha que aproveitar a oportunidade”. 

Matheus entrou na Poli aos 20 anos e conta que durante o ensino médio não conhecia a universidade pública, a qual veio a conhecer apenas durante o cursinho. Então começou a fazer técnico na área de engenharia civil para conseguir um trabalho com melhor remuneração, e assim arcar com as mensalidades de uma faculdade privada. “No técnico em edificações tive um rendimento bom e consegui começar como estagiário e assim descobri a minha paixão pela área. Fui efetivado como assistente técnico, e depois de um tempo comecei a trabalhar concursado na Companhia Paulista de Obras e Serviços”.

Foi durante esse período, que o engenheiro descobriu o cursinho popular da Poli, gerido pelo Grêmio Politécnico, e a universidade pública: “Vi que precisava fazer cursinho para conseguir uma bolsa para pagar menos na mensalidade da faculdade. Foi no cursinho que conheci o universo da universidade pública. Isso abriu a minha mente, então o melhor pra mim era tentar uma vaga na universidade pública porque eu não tinha condições de pagar para fazer faculdade, e a minha família também não tinha condições”. 

Matheus ministrando aulas no cursinho popular da Poli USP. (Imagem: acervo pessoal).
Matheus durante intercâmbio acadêmico na Itália. (Imagem: acervo pessoal).

Ao longo de um ano de cursinho em 2014, Matheus começou um ano de dedicação aos estudos e consequentemente a sua aprovação no curso de engenharia de Petróleo da Escola. “Eu  não entrei no curso de engenharia civil devido ao corte de nota da Fuvest. Então acabei entrando na sexta chamada e na opção engenharia de petróleo, lá em Santos. Fiquei um ano no curso e acabei fazendo transferência para engenharia civil, que era minha primeira opção desde o começo”. 

O engenheiro lembra que no primeiro ano na Escola estava sob muita pressão e estressado. “Pra mim eu não pertencia àquele lugar. Eram realidades totalmente diferentes da minha. Estava assustado com as aulas, tinham aulas que nem sabia o que eu estava fazendo lá. Mas  depois das primeiras provas, fui vendo que eu conseguia lidar com aquilo (com o curso). Eu estava tirando notas maiores do que os meus colegas, e comecei sentir que eu conseguiria. Depois desse ano consegui obter notas muito boas que me permitiram transferir para engenharia civil”. 

A entrada no curso dos sonhos veio acompanhada de muitas realizações para o engenheiro e consequências positivas. “Quando cheguei na civil, estava totalmente realizado. Todas as matérias do curso eram muito interessantes. Minha trajetória até chegar ao Duplo Diploma foi fluindo porque eu me interessava muito por tudo. Comecei a participar de outras atividades, e voltei para o cursinho em 2016 como plantonista e depois professor, achava que precisava retribuir tudo que eles fizeram por mim”. 

Diante do desafios “Encontre o seu porquê” – O interesse em cursar Duplo Diploma no exterior veio acompanhado de muito incentivo por parte dos amigos, da namorada e de professores da Escola. “Me candidatei ao processo seletivo do Politecnico Di Milano, foi muito concorrido e tinha apenas 10 vagas para essa Escola. E acabei sendo o único do curso de engenharia civil a ser selecionado”, comenta ele. 

A esperada aprovação também veio acompanhada de desafios, o primeiro foi o financeiro. Matheus não tinha bolsa auxílio, importante para manutenção do aluno na Universidade de destino: “Depois que recebi a notícia da aprovação foi uma grande tortura. Não tinha dinheiro para ir e também não queria incomodar a minha família, porque sabia que eles também não tinham condições financeiras”. 

Foi a partir da ajuda financeira da família da sua namorada que o engenheiro decidiu embarcar rumo a mais um passo da sua vida pessoal e profissional. “Tinha que fazer valer a pena toda ajuda que recebi”, enfatiza o engenheiro. 

“Quando eu cheguei na Itália, foi um choque porque eu não falava italiano e meu inglês era mais ou menos. Então foi um desafio muito grande ter que amadurecer o  inglês. E aí quando você chega em um país onde o inglês não é língua nativa as pessoas não estão dispostas a conversar com você em inglês. Então é outro baque”, conta Matheus.

Diante dos desafios impostos pelas diferenças culturais e pelo idioma, Matheus começou a aprender a se comunicar em italiano. “Não se pode esperar que as pessoas falem em inglês com você numa padaria, por exemplo. Por outro lado, na Universidade não houve problemas, tendo em vista a “internacionalidade” do Politecnico Di Milano”.

Além de todos os desafios, que foram muitos, Matheus conta que a experiência lhe proporcionou uma vivência com pessoas das mais diversas nacionalidades. “Meu primeiro trabalho em grupo foi com um búlgaro, uma italiana e um egípcio, então pra mim aquilo era incrível”. Essa vivência lhe proporcionou diversas oportunidades e de amigos.

Matheus acredita que para os alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica, que sonham com uma vivência acadêmica internacional, sonhar e realizar os sonhos é possível. Para isso, ele fala sobre a importância de aproveitar as oportunidades da Universidade e encontrar o seu “porquê” para se manter motivado. “Acho que a universidade não se resume só a aula e a prova. Pelo próprio nome de “universidade”, é um universo de muitas possibilidades. Não se compare e encontre seu ritmo para lidar bem com a Poli; encontre atividades extras que vão te acrescentar. Eu tinha a minha razão de estar ali, então encontre a sua também. O seu “porquê” o faz levantar todos os dias da cama sem hesitar”. 

Hoje, já formado, Matheus conta que seu objetivo agora é retribuir à sociedade tudo o que aprendeu durante os 6 anos de estudos na Poli. Montar seu próprio negócio é um dos seus sonhos para gerar renda e emprego para população. “Eu fui o primeiro da família  a cursar ensino superior e isso vai impactar muitas gerações da minha família. A universidade é o momento em que você se impacta e impacta os outros positivamente. Estudar é um caminho e você tem que aproveitar”, finaliza o engenheiro.

 
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