FORMANDO ENGENHEIROS E LÍDERES

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O professor elegante


                                                                                                          

José Roberto Castilho Piqueira(*)
 

Eu era um garoto de calças curtas, que vivia jogando bola na rua em um bairro operário de uma cidade do interior de São Paulo. Meu irmão estava terminando o científico, nome antigo de uma das vertentes do ensino médio da época e tentava ingressar em alguma escola de engenharia de primeira linha.

Ele e outros dois amigos estudavam em um quartinho nos fundos da minha casa, dias e noites. Era quase assustadora a capacidade de estudo dos três. Mas ainda assim, não deu. O científico por nossas bandas era razoável, mas insuficiente.

No ano seguinte, os três vieram para São Paulo, fazer um curso pré-vestibular. Ficaram em uma fila durante a madrugada, mas conseguiram matricular-se. Eram outros tempos: apesar do número de escolas de engenharia de bom nível ser praticamente o mesmo de hoje, o acesso aos cursos preparatórios era bem mais difícil.

Lá pela metade do mês de Março, eles voltaram para passar um fim de semana de descanso. Lembro do jantar em casa: meu irmão descrevia, encantado, as aulas de Física dadas por um professor elegante e que fazia acrobacias com sua régua de madeira.

Eu nem sabia o que era Física, mas já ouvia o nome do professor e já o admirava, sem nunca tê-lo visto.

Meu irmão e seus três amigos já cursavam o famoso ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) quando comecei o curso científico. Então tive aulas de Física pela primeira vez. O professor fazia o que podia, dentro de suas limitações, pois não era formado na disciplina.

Por sorte adotou o livro do professor elegante, aquele do pré-vestibular que meu irmão frequentou. Nas primeiras aulas, entendi muito pouco. Felizmente, nos fins de semana, meu irmão pegava o livro e me ajudava um pouco.

Fui tomando gosto e estudei o livro inteiro. Aquele livro e meu irmão despertaram em mim o gosto pela Física. Eu não tinha outros colegas para estudar junto, mas o quartinho agora era meu. Lá, rachei por três anos.

No final, ingressei numa das melhores escolas de engenharia do País. Lá, a Física era a dona do campus. Tive aulas com grandes estrelas: Sérgio Mascarenhas, Daltro Pinatti, Oscar Hipólito e Horácio Panepucci. Fui até bolsista de iniciação científica para estudar Ressonância Magnética.

Quase virei Físico, mas terminei engenheiro. O gosto pela Física permaneceu e algumas coincidências levaram àquele curso pré-vestibular dar aulas de Física. Conheci, então, o professor elegante. Ele era um dos donos do curso e dava aulas em algumas turmas.

Antes de dar minhas aulas, passava pela sala dele para ser orientado. Foi uma época de grande aprendizado. Ele dominava a matéria, gostava de ensinar e tinha a simplicidade dos bons.

Meu tempo se dividia entre trabalhar na indústria, fazer pós-graduação e dar aulas no curso pré-vestibular, aquele que meu irmão fez.

Lá trabalhei muito e vi toda a transformação do preparo para o vestibular. A pressão mercadológica, a opção empresarial, a morte de três grandes professores e o envelhecimento gradativo dele, o professor elegante.

Felizmente, meus pendores acadêmicos e meu gosto pela pesquisa levaram-me a uma grande dedicação ao estudo.

Com muito esforço e com a ajuda do professor elegante e a generosidade do professor de Desenho fiz mestrado, doutorado e livre-docência. Virei titular na Poli-USP e não esqueço a dívida acadêmica e humana que tenho com meu irmão, com o desenhista generoso e com o professor elegante.

Ontem dei adeus terreno ao elegante e querido professor Emílio Gabriades e pude homenageá-lo em nome da Escola Politécnica da USP. Pode ir tranquilo, professor, o senhor plantou muitas sementes nas suas brilhantes aulas e deixou em muitos engenheiros e professores sua marca inesquecível de bondade. 

(*) Vice-Diretor da Poli-USP e Diretor Presidente da Sociedade Brasileira de Automática

 

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