Projeto Jovens Caminhos inaugura mural na USP
Após dois anos de aulas e preparação, arte-educadores e alunos do projeto do Instituto GEA têm a sua arte inaugurada em laboratório da Escola Politécnica, o LASSU. O grafite explora a coexistência entre seres humanos e tecnologia

A pintura A Criação de Adão, de Michelangelo, ganha interpretações mundo afora há séculos. Dentre as novas telas de reproduções da obra em que Deus e o homem tentam tocar um ao outro, encontra-se o muro do Laboratório de Sustentabilidade (LASSU) da Escola Politécnica (Poli) da USP. A arte traz uma discussão sobre a coexistência entre a tecnologia e a natureza, com dois braços que buscam se encostar, assim como na obra renascentista.
A releitura foi inaugurada na última sexta-feira, 4 de abril, como atividade de conclusão do curso de grafite do Projeto Jovens Caminhos, parceria realizada entre o Instituto GEA e a Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental. O local escolhido para a criação e exposição do grafite foi o Prédio ENERG – Centro de Estudos em Regulação e Qualidade de Energia.
Apesar da parceria entre Poli e Instituto GEA – Ética e Meio Ambiente existir há mais de uma década – sobretudo atividades que envolvem sustentabilidade –, foi a primeira vez que o grafite ganhou espaço em meio à paisagem politécnica. A escolha de onde seria exposta a pintura partiu da professora Tereza Cristina Carvalho, da Poli, que justificou a escolha como uma maneira de deixar o ambiente mais bonito e receptivo aos seus usuários e frequentadores.
Dependendo de como for a recepção da obra, a professora conta que trará o grafite para outras unidades da Escola. Para que isso aconteça, assim como feito no LASSU, é necessário que organização, projeto, professores e alunos dialoguem. “O grafite, na verdade, tem toda uma conversa por trás. Então, nós não podemos chegar no muro e já ir desenhando, tem uma conversa”, disse a coordenadora do Instituto GEA, Raquel Ramos.
Especialização e sustentabilidade
A iniciativa, promovida pelo Instituto GEA em parceria com a Petrobras, oferece cursos gratuitos profissionalizantes de grafite e informática para jovens e adultos de periferias em Santo André e Mauá, cidades do ABC paulista. Além de conceitos técnicos de cada área, os alunos entram em contato com o empreendedorismo e oficinas de cidadania. Como forma de conciliar os conhecimentos aprendidos com projetos próprios e a missão de construir um mundo mais justo e sustentável.
A visita dos integrantes do curso de grafite do projeto foi possível após o convite da professora Tereza Cristina, coordenadora geral do LASSU. “Eu tive essa ideia como forma de ‘embelezar’ o nosso prédio e valorizar a arte urbana, que é algo que não se vê muito aqui na USP. Além do compromisso do projeto com a sustentabilidade”.
O curso teve a duração de dois anos, nos quais os alunos aprenderam ensinamentos teóricos e práticos de pintura. A dupla de grafiteiros Gustavo Ramos e Diego Fagundes, que atuam juntos na produção artística há 12 anos, foi responsável por ministrar aulas e conteúdos aos participantes.
“Com essa frente dupla de aprendizado, fica mais fácil de entender como cada um desenha”, explicou Gustavo. A partir dessa abordagem, os arte-educadores conseguiram administrar os ensinamentos do curso a alunos com diferentes níveis de experiências com a arte.
As aulas não se restringiram apenas ao âmbito artístico. O projeto também assumiu um compromisso de auxiliar na profissionalização dos alunos participantes, uma iniciativa que os possibilitasse viver com o que aprenderam ao longo do curso.
Esse foi o caso de Raquel Raimundo, senhora de 63 anos e ex-aluna que hoje, por conta das habilidades desenvolvidas, vê a possibilidade de rentabilizar os conhecimentos adquiridos. “Eu comecei [a ter aulas no curso] há dois anos, por incentivo da minha filha. Atualmente me sinto bem e pretendo seguir com um projeto pessoal”.
De marginalizado à margem ambiental

O Instituto GEA busca integrar em suas atividades discussões referentes à ética e à sustentabilidade. Para o curso de grafite, essas premissas não ficaram de fora e proporcionaram reflexões tanto para os organizadores e professores quanto para os alunos sobre os seus papéis como cidadãos e membros da integração entre meio ambiente com a sociedade.
Mesmo com a proposta cidadã, o grafite ainda é alvo de críticas, estereótipos e marginalização por quem não conhece o seu propósito social e político. Os alunos do curso do Projeto Jovens Caminhos, sobretudo os menores de idade, felizmente não encontraram relutância de seus familiares quando manifestaram interesse em realizar o curso.
O aval e o incentivo permitiu que os alunos usufruíssem das aulas de grafite com maior atenção às discussões propostas, como a de se posicionar frente aos acontecimentos do cotidiano. “Nós [Instituto GEA] entendemos que o aluno, o ser humano, tem que olhar para além de si. Então, tem que olhar para o ambiente que ele está. […] Eles [alunos] têm que lembrar que eles fazem parte do todo”, pontuou Raquel Ramos.
Em meio aos debates sobre a posição do indivíduo frente aos seus grupos sociais, inquietações sobre o meio ambiente ganharam espaço. Diego Fagundes ressaltou a importância do grafite como uma ferramenta de conscientização ambiental para os artistas e apreciadores da arte. Segundo ele, a ideia de juntar o grafite à sustentabilidade era trazer o conhecimento para pessoas em situação de vulnerabilidade econômica terem um maior contato com a pintura e, essencialmente, com o debate público.
Para os arte-educadores do projeto, é fundamental que os estudantes tenham a consciência de que o planeta está sendo destruído, mas também que é possível fazer algo – em coletivo – para melhorar esse quadro. O grafite, como expressão artística e sociopolítica, é fundamental para transformar o comportamento da sociedade.
Em concordância, a Professora Tereza Cristina explicou como a pintura do muro do LASSU é um exemplo dessa mudança comportamental. “Isso [a parceria entre Poli e GEA] é meio econômico, meio social e se você pensar que ver coisas belas faz bem para as pessoas, não deixa de ser [uma sustentabilidade] ambiental também. O belo sempre faz bem para a saúde das pessoas”, declarou.