FORMANDO ENGENHEIROS E LÍDERES

FORMANDO ENGENHEIROS E LÍDERES

Na última sexta-feira, 12 de maio, nove estudantes que venceram a 21ª edição da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (FEBRACE), e que estão participando da International Science and Engineering Fair (ISEF), em Dallas, nos Estados Unidos, de 14 e 19 de maio, receberam um treinamento na USP com orientações sobre os critérios de avaliação da ISEF e estratégias para apresentação, em inglês, dos projetos para os avaliadores e o público em geral.

O evento contou com a participação da coordenadora da Febrace, professora Roseli de Deus Lopes, da equipe da Feira, e de avaliadores, que contribuem todos os anos com a realização da mesma.

Sobre a FEBRACE: Promovida anualmente pela Escola Politécnica da USP e realizada pelo Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológico (LSI-TEC), a FEBRACE é a maior feira brasileira pré-universitária de Ciências e Engenharia em abrangência e visibilidade. Seu objetivo é estimular a cultura científica, a inovação e o empreendedorismo na educação básica e técnica, despertando novas vocações nessas áreas e induzindo práticas pedagógicas inovadoras nas escolas. Na feira, são selecionados todos os anos nove projetos para participar da ISEF.

Conheça alguns dos projetos:

Repelente à base de frutos – Gustavo Botega Serra, morador de Imperatriz (MA), encontrou em uma tradição rural a solução para repelir insetos e assim evitar as arboviroses, doenças transmitidas por mosquitos, como dengue, zika, febre amarela. Ele observou que a população local de Cachoeirinha (TO), município próximo à fronteira com seu estado, amassava o Tucum Mirim, um fruto cultivado no Cerrado, e o esfregava na pele para utilizá-lo como um repelente e um inseticida natural. Nos laboratórios da Universidade Estadual do Maranhão, por meio do programa Cientista Aprendiz, do qual participa a Escola Santa Teresinha, seu então colégio, Gustavo atestou a eficácia do fruto e desenvolveu um modelo de inseticida e de repelente à base de álcool, extrato e óleo da polpa coletados e produzidos a partir do Tucum Mirim. Em testes com animais, além de levar à morte um a cada dois insetos, a solução deixou as larvas estéreis, conforme apontaram os testes genéticos e moleculares. Ela se mostrou também mais eficaz por conservar 86,9% de seus princípios ativos, mais do que o triplo do que os fármacos industriais; assim como em todas as amostras de repelentes desenvolvidas registrou taxas de eficácia superiores a 90%. O Tucum Mirim, segundo Gustavo, pode ser cultivado também em outras regiões com solos similares.

Plástico de folha de goiabeira – No município de Cascavel (CE), região majoritariamente agrícola da zona metropolitana de Fortaleza, há uma dependência significativa do plástico para o transporte de mudas. Após usado, uma quantidade enorme de plástico ou acaba em aterros, levando centenas de anos para se decompor. Com a proposta de minimizar este dano ambiental, a estudante Juliana Pereira da Silva, da Escola Estadual Marconi Coelho Reis, desenvolveu um plástico biodegradável que se decompõe em cerca de dez dias e serve de adubo para o solo, ao ser transformar em sais minerais que ajudam no crescimento das plantas — conforme apontaram análises feitas na Embrapa (Empresa Brasileira de Agropecuária) de Fortaleza, em parceria com a Universidade Federal do Ceará. O bioplástico usa folha de goiabeira como matéria-prima, parte da planta que não é aproveitada pelos produtores. Sua produção é simples e barata: leva farinha da folha, água, amido e glicerol, a um custo de apenas 8 centavos por sacola – muito mais barato que os produtos similares.

Defensivo biológico com nanotecnologia Os óleos essenciais de citronela e capim-limão têm um bom potencial para serem usados como defensivos biológicos contra pragas na agricultura, além de não serem tóxicos. Sua aplicação, porém, esbarra em um problema: por serem voláteis, são pouco absorvidos pelas plantas e evaporam com facilidade. A solução para este problema partiu de três estudantes, Beatriz Meneghetti, Yasmin Ferrari e Pâmela Avelar, do Instituto Federal do Espírito Santo, fizeram, de Serra (ES), usando nanotecnologia. Com ajuda de emulsificantes, elas dissolveram os óleos em água até que eles estivessem em uma escala nanométrica e os aplicaram em culturas de bactérias e fungos. Com a nanoemulsão do capim-limão, óleo essencial que obteve o melhor resultado, por exemplo, foi possível eliminar e inibir o crescimento de todas as bactérias testadas, sejam elas convencionais ou multirresistentes. O custo do produto é outro diferencial, uma vez que requer uma quantidade muito pequena de óleo para sua produção. Agora, elas estão estudando as melhores formas de aplicá-lo nas plantas.  

Descoberta para agravante do câncer – Hoje caloura do curso de farmácia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Juliana do Carmo Godinho já pode se considerar uma cientista. Durante o curso técnico em biotecnologia, realizado no Instituto Federal do Rio de Janeiro (RJ), da capital fluminense, ela fez uma descoberta importante na área de oncologia. Por meio de técnicas de biologia molecular e celular aplicadas em culturas de células tumorais, ela observou que o acúmulo de manganês, um metal pesado encontrado de forma abundante na natureza, leva a uma piora nos quadros de câncer de pulmão. Isso ocorre porque o metal gera estímulos que promovem a aceleração da migração celular, acentuando os riscos de metástase, além de causar um desequilíbrio nos níveis de outros metais, como ferro e cobre, que se encontram nas células. Esses, por sua vez (de acordo com a literatura científica) podem causar outros efeitos, como a diminuição nos índices de morte dos tumores. O acúmulo de manganês ocorre principalmente em trabalhadores de garimpos, pela contaminação por vias aéreas. 

Captação “caseira” de água – Comunidades rurais no semiárido potiguar, como o assentamento de Pedra Branca, em Mossoró (RN), enfrentam dificuldades no abastecimento de água. Ou porque faltam cisternas, ou porque o sistema de fornecimento de água encanada é limitado. Como alternativa, a estudante Vitória Sabrina Leite, da Escola Estadual Monsenhor Raimundo Gurgel, desenvolveu uma nova forma de coletar a água das chuvas, por um custo bem baixo. A estratégia consiste em cavar buracos de 500 litros de capacidade, forrá-los com caixinhas de tetrapak (de leite e suco) e lonas, e acoplar uma antena parabólica (algo que muitas pessoas ainda têm, mas poucos ainda usam), parcialmente coberta de lona, para captar a água. Com apenas esses materiais recicláveis, foi possível captar, em testes realizados no assentamento, de três a cinco litros de água por milímetro de chuva, o que equivale a 25 litros de água em uma chuva considerada fraca. Já foram construídos dois sistemas desse em Pedra Branca, e o objetivo da pesquisadora é construir mais dois até a data da ISEF, além de divulgar o máximo possível o projeto para que as famílias construam seus próprios sistemas de captação. 

Despoluição de água com carvão – A população de Camaçari (BA), região metropolitana de Salvador, convive com sérios problemas causados pela poluição, sobretudo em suas águas, por se tratar de um importante polo industrial do país. Caio Nunes Santana, aluno do Instituto Federal da Bahia, buscou uma forma simples e barata de despoluir parcialmente a água contaminada. E encontrou parte da solução na mata-fome, uma planta abundante no litoral nordestino. A partir da carbonização das cascas das vagens dessa planta, o estudante produziu um carvão vegetal ativado que foi capaz de remover 97% de todo azul de metileno da água, um corante sintético muito utilizado em toda a indústria têxtil que possui propriedades cancerígenas e é nocivo para a biodiversidade marinha. A eficácia obtida (98%) é praticamente a mesma dos carvões vegetais ativados de uso comercial, feitos com madeira de reflorestamento, mas o custo é significativamente menor, pois o que afeta o preço é a matéria-prima. Por conta de sua estrutura física porosa, carvões desse tipo retêm compostos líquidos ou gasosos em sua superfície em um processo chamado de adsorção.

Filtro de carvão para água potável – Também com o carvão ativado, Kalyne Vitória Falcão e Lauanda Vitoriano Lima, alunas da Escola Estadual Antonio Rodrigues de Oliveira, de Pedra Branca (CE), desenvolveram um filtro capaz de ajustar todos os parâmetros físico-químicos da água, como condutibilidade, solidez e pH, para torná-la potável. Esse carvão é obtido da jurema-preta, uma planta abundante em todo semiárido nordestino que tem poucas aplicações comerciais e, portanto, acaba sendo descartada de forma inadequada em queimadas. Para produzi-lo, emite-se pouco gás carbônico, a uma taxa 87,5% menor do que as emissões das queimadas. O carvão é aplicado em conjunto com uma fibra siliconada, um produto com a aparência de um algodão, areia e pedra, também usado filtros convencionais. O grande diferencial do produto é a acessibilidade e o custo. Para produzir um filtro industrial desse carvão ativado, é preciso investir apenas 50 centavos em fibras siliconadas (já que os outros componentes podem ser encontrados com facilidade na natureza), enquanto filtros de água convencionais, que encontramos nas residências, custam ao consumidor 100 reais em média. 

Software para cálculo de arborização – Diversos municípios possuem leis que obrigam condomínios a seguirem uma taxa mínima determinada de arborização. No entanto, principalmente em regiões mais afastadas do centro, a fiscalização é difícil. Para facilitar essa tarefa, Gonçalo Ponte Leite, aluno do Colégio São Francisco de Sales Diocesano, em Teresina (PI), desenvolveu um software capaz de automatizar o cálculo dessas taxas. De forma 100% remota, a partir de imagens de satélite, o programa calcula a área do condomínio e indica o percentual de arborização com uma assertividade de 82%. Para utilizar esse serviço, basta o usuário enviar a imagem, que pode ser obtida no Google Maps, informar a escala utilizada e delimitar o trecho que compõe o condomínio em uma ferramenta de edição de fotos. Com o lançamento do software, no futuro, a proposta é que o sistema armazene os resultados obtidos para montar bancos de dados personalizados de cada cidade ou região. 

Ação contra a evasão escolar – Foi a partir de um projeto de monografia, feita para a conclusão do curso na Escola Alef Peretz, unidade Paraisópolis, em São Paulo (SP), que Kamylla Gontijo de Melo (hoje estudante da Faculdade de Educação da USP) se aprofundou nos estudos sobre evasão escolar, sob a ótica de Paulo Freire, patrono da educação brasileira. À época, ela estudou como o conhecimento freireano se aplicava aos alunos de dois colégios, nos bairros do Campo Limpo e Paraisópolis, periferias da zona sul da capital paulista, aplicando um questionário sobre os fatores que levariam os alunos à evasão. Foram avaliados quatro critérios: capital econômico (condições financeiras para se deslocar à escola e se manter estudando), capital cultural (conhecimento necessário para o aluno compreender e se interessar pelas aulas), capital social (relações dos alunos entre eles e entre os professores em sala de aula) e capital saúde (problemas de saúde que comprometem a presença do estudante). Os resultados foram expressivos no que diz respeito ao capital econômico, que contemplou mais de 45% das respostas, e no capital cultural, presente em torno de 54% das respostas. “Isso vai ao encontro do que Paulo Freire define como desumanização do ensino, na qual o aluno fica cada vez mais distante da escola e consequentemente do conhecimento que os professores tentam depositar nele como indivíduos passivos, que apenas absorvem conteúdo; e contrapõe o que a UNICEF diz em seu relatório sobre evasão escolar divulgado no ano passado, em que aponta que a maioria dos alunos que abandonam os estudos fazem isso por falta de interesse”, afirma a pesquisadora. Com base nesses dados e em orientações de documentos do Ministério da Educação, ela elaborou um protocolo para que as escolas possam antever o problema e poder intervir para evitá-lo. 

O protocolo tem foco na prevenção, para detectar os alunos com propensão à evasão — ao contrário das políticas públicas atuais, que são focadas na reintrodução dos estudantes. Esse protocolo funciona como um questionário, que é aplicado ao aluno no momento em que ele se matricula em um novo ano letivo. “Verifiquei ainda um outro problema. Quando o aluno sai do ensino fundamental e vai para o ensino médio, momento em que ocorre mais evasões, a matrícula desse aluno é feita automaticamente. Por isso esses dados podem ser pouco assertivos”, complementa.

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