Após ter publicado artigo em que aponta os impactos gerados pela mineração de ouro na devastação de florestas da Amazônia brasileira, Juliana Siqueira-Gay, pesquisadora e doutora em Engenharia Mineral da Escola Politécnica (Poli) da USP, apresentou, em junho de 2021, a tese de doutorado que, em linhas gerais, conclui o estudo sobre as ações do desmatamento causado pela mineração nas florestas.
A pesquisadora explica que, em um primeiro estrato de seu doutorado, estudou de que forma a mineração industrial causa perda de floresta, os modos pelos quais a devastação pode ocorrer, podendo ser considerados como perdas de ordem direta e/ou indireta. De maneira direta, é causada pelas estruturas dos projetos de mineração, como cavas e estruturas de processamento de minério. Pela via indireta, a perda é causada pela infraestrutura de suporte para implementação e operação desses projetos, como estradas de acesso, estradas de ferro e linhas de transmissão. “Investigamos-os em detalhe e evidenciamos que esses impactos indiretos podem ser muito superiores aos diretos, afetando áreas de alto interesse para conservação da biodiversidade e fragmentando florestas”.
Siqueira-Gay detalha que a perda de florestas em decorrência dos projetos de mineração e infraestrutura associada pode também ocasionar a perda de serviços ecossistêmicos, isto é, provocando uma devastação dos benefícios que os ecossistemas provêm naturalmente para sociedades, como a regulação climática e o suprimento de matérias primas e alimentares necessárias à vida.
Além disso, a tese traz a comparação dos impactos da mineração industrial e ilegal nas florestas, revelando que desmatamento como resultado da mineração ilegal, mostra-se mais relevante que o crescimento do desmatamento dentro das áreas de mineração industrial.
Ao traçar paralelos, a pesquisadora reitera que além da perda cumulativa e crescente das florestas em áreas de mineração ilegal, ainda há o surgimento de outros impactos de relevância ambiental e social, como: alteração da qualidade de água e perda de ecossistemas aquáticos devido a utilização de metais pesados para exploração do ouro (como o mercúrio); ocupação e invasão de áreas protegidas para garimpagem ilegal e alterações na saúde e bem estar de comunidades indígenas que vivem nas proximidades das regiões afetadas.
Para além das ilegalidades, o polêmico Projeto de Lei nº 3729/2004, conhecido como Lei Geral do Licenciamento Ambiental, planeja flexibilizar as regularizações acerca de atividades antrópicas, como obras dos sistemas e estações de tratamento de água e esgoto sanitário, além de obras de manutenção de infraestrutura, como estradas. As exceções do PL incluem que as regras que definirão o que deverá ou não ser licenciado ficarão a cargo dos estados e municípios, isto é, com cada um aplicando suas próprias jurisdições.
A pesquisadora explica que a lei se aplica a diversos tipos de projetos e não menciona os garimpos especificamente, mas considera que esse tipo de simplificação nos processos jurídico-ambientais pode influenciar negativamente na questão mineradora e em outras áreas de exploração que promovem o desmatamento de florestas. “Na medida em que o licenciamento é hoje o principal instrumento para avaliação ambiental de projetos na Política Nacional do Meio Ambiente, podemos esperar devastadoras consequências para o meio ambiente”.
Pensando em modelos sustentáveis que poderiam inspirar a alteração da lei no Brasil, Siqueira-Gay cita guias de boas práticas internacionais para avaliação ambiental de projetos, que ao contrário do Projeto de Lei 3729/2004, buscam aprimorar padrões designados para atividades industriais. Iniciativas de agências financiadoras multilaterais, por exemplo, baseiam-se no estabelecimento de critérios de financiamento de projetos, que incluem propostas de mineração. A pesquisadora comenta que, embora exista pouca investigação sobre a eficácia da iniciativa, os critérios apresentados são relevantes para elucidar os impactos na biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos, parte essencial para que as avaliações sejam mais transparentes, sistemáticas e abranjam as diferentes escalas dos impactos resultantes dos projetos.“Ainda que inclua impactos nas florestas e vegetações nativas, ainda é pouco evidenciada a devida abordagem desses impactos em projetos de mineração, especialmente os impactos cumulativos de diversas infraestruturas na paisagem”.
Perguntada sobre possíveis alternativas para a recuperação florestal em um futuro próximo, Siqueira-Gay ressalta a importância de conciliar o desenvolvimento de projetos e a preservação do meio ambiente, é que há uma urgência por legislações ambientais que criem exigências aplicáveis a projetos em áreas com histórico ambientalmente sensível e que podem vir a sofrer impactos ambientais significativos. “Atualmente temos como principal legislação ambiental o licenciamento de empreendimentos que preconiza a aplicação da hierarquia de mitigação, isto é, os impactos devem ser primeiramente evitados, minimizados e em último caso, compensados”.
A preocupação dos especialistas, assim como é comum à pesquisadora, é de que as perdas de valores da biodiversidade sejam, por muitas vezes, incompensáveis. Alternativas tecnológicas e locais seriam uma saída para proteger a paisagem, caso fossem implementadas para conciliar a exploração mineral e garantir a conservação ambiental; já que extinguir atividades antrópicas altamente prejudiciais ainda esteja fora do pensamento e das decisões do país.
Parte do problema se encontra no fato de que os caminhos para o controle do desmatamento estão ameaçados, assim como os bens naturais que os mesmos buscam proteger legalmente. A sugestão da pesquisadora é para que ocorra o fortalecimento e a continuidade desses programas nacionais, que atualmente encontram-se enfraquecidos, como o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). O objetivo do PPCDAm, por exemplo, é a criação e fortalecimento das regulações de áreas protegidas e o fomento de mecanismos e instrumentos para controle do desmatamento na Amazônia Brasileira, com iniciativas e ênfase na fiscalização de órgãos ambientais, que a pesquisadora descreve como “também ameaçados atualmente”.
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