FORMANDO ENGENHEIROS E LÍDERES

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Homenagem póstuma ao professor Paulo Teixeira da Cruz, por Faiçal Massad

É com muito pesar que comunicamos o falecimento nesta manhã de 17 de agosto de 2022 do Professor e Amigo Paulo Teixeira da Cruz.

Falar de Paulo Cruz para mim sempre foi fácil. Simplesmente porque foi meu primeiro professor de Mecânica dos Solos, que motivou a escolha que fiz de atuar na área de Geotecnia. E por que tive a honra e o privilégio de trabalhar com ele na Academia e em vários projetos de Engenharia Civil.

Tudo começou em 1964, quando cursava o 4o ano de engenharia civil. Antes, ao ingressar na Poli em 1961, optei por Engenharia Elétrica. Era um apaixonado pela matemática, sabia cálculo III, que era ministrado no 3o ano desse curso. Mas, ao final do curso básico, mudei para a Engenharia Civil e, em 1964, fui aluno do Paulo Cruz em Mecânica dos Solos e Fundações. Impressionou-me a forma simples e direta de abordar assuntos complexos. Ensinava à maneira empírica, pois nele a teoria sucedia à prática, à experiência. Nesse sentido, gosto de lembrar como, das observações do astrônomo dinamarquês Tycho Brahe resultaram as 3 Leis de Kepler e daí toda a teoria da gravidade de Newton, base da Mecânica Clássica, que usamos nos nossos projetos. O empirismo precedeu a teoria. Assim era e foi Paulo Cruz e isto deixou marcas indeléveis na forma como eu procuro ver e ensinar a Geotecnia até os dias de hoje. No 5o. ano comecei a trabalhar como estagiário no Laboratório de Solos da Poli, que, a rigor, foi criação do Paulo: os equipamentos de ensaios triaxiais que importou estão lá até hoje. O laboratório funcionou durante algum tempo na Poli velha, no Bom Retiro, e depois foi transferido para o atual prédio da Engenharia Civil no Campus USP-SP, onde se encontra  atualmente. O meu primeiro artigo técnico foi escrito nessa época em coautoria com o Paulo Cruz, e versou sobre solos compactados, uma de suas paixões.
O Paulo começou a dar aulas na Poli em 1961, um ano após o Mestrado no MIT, estudando osefeitos do adensamento anisotrópico na resistência ao cisalhamento de argilas. Em 1964 doutorou-se pela EPUSP, abordando o tema da resistência ao cisalhamento de argilas compactadas. Fez Pós-doutorado nas Universidades da Califórnia (1972), de Londres (1972) e também no LNEC (1991), em Lisboa. Pensou em continuar sua carreira acadêmica na Poli, mas foi impedido pelo sistema de cátedras que existia na época, com decisões autocráticas. Por isso, algum tempo depois, passou para o regime de tempo parcial e, para felicidade do nosso meio técnico, começou a trabalhar como profissional, principalmente na área de barragens, que ganhou um grande impulso no Estado de São Paulo e no Brasil a partir da década de 60. Como professor em tempo parcial, ministrou várias disciplinas de pós-graduação: Barragens e Obras de Terra e Enrocamento, Fluxo em Meios Contínuos e Descontínuos e Fundamentos de Mecânica das Rochas. Nessa época fui novamente um de seus alunos. Somente em 1993 retornou à Poli em tempo integral, onde permaneceu nessa condição até se aposentar em 2004.
Em 1996, publicou o livro 100 Barragens Brasileiras, fruto de sua vasta experiência acumulada no estudo de casos históricos, dos materiais de construção e do projeto de barragens. E não deixou de agradecer a participação de alunos pós-graduados – e foram inúmeros os seus orientados, cujas dissertações e teses são citadas ao longo dos capítulos; alguns desses alunos tiveram participação direta na elaboração do livro. Essa foi uma das características marcantes de sua personalidade: o intenso e fecundo envolvimento de seus alunos e de colaboradores profissionais na sua produção técnica, com mais de 80 artigos publicados além de livros.

Outra característica marcante do Paulo, como profissional, foi a sua conduta de respeito a parceiros, muitas vezes com menos qualificação técnica do que ele. Isso sempre esteve presente, como pude constatar em diversas situações. E sempre com seriedade com relação aos temas tratados e aos seus clientes.
Do ponto de vista profissional, tive a honra e a satisfação de trabalhar com o Paulo nos estudos sobre a formação de brechas em barragens de terra e enrocamento e no projeto, pioneiro no Brasil, das obras de proteção a instalações industriais para fazer frente a debris flows em Cubatão. Como coroamento dessa última atividade, a revista japonesa ” International Journal of Erosion Control Engineering” publicou em 2019, o artigo “Sabo Works: A Pioneering Experience in Brazil”, que teve o Paulo como autor principal, junto com a equipe da Poli que trabalhou no assunto.
Termino essas breves palavras destacando a característica da personalidade do Paulo que mais me marcou: foi a sua generosidade com tudo e com todos. Fazia questão de convidar os amigos, para, nas suas palavras, “celebrar este presente que é a vida e a amizade”. Já disse uma vez e repito: apesar de não ser cristão, até onde sabia, comportava-se como tal, no amor ao próximo, a ponto de se doar e dar de si, como testemunhei frequentemente. Jocosamente eu dizia, então, mas hoje repito com confiança: “Paulo, quer você queira quer não queira, quer você acredite quer não acredite, acho que você tem um lugar garantido no céu. Que o Bom Deus o queira”.

Faiçal Massad

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