A passagem de ano, embora seja uma simples convenção de calendário, traz sempre reflexões sobre o ocorrido no ano anterior e as esperanças para o ano seguinte.
Nesse sentido, a passagem de 2020 para 2021 é particularmente rica, com 2020 marcado pela pandemia e pela necessidade de melhoria do conhecimento da ciência pela sociedade, além de um 2021 com esperança de vacinas e de alguma normalidade.
Em meio a tudo isso, ontem recebi a notícia do falecimento do querido Padre Ticão, no mesmo dia da missa de um mês pelo colega e amigo André Hirakawa. Evidentemente, essa combinação de fatos só poderia resultar em tristeza.
Entretanto, minha tristeza individual é irrelevante diante da invisível tristeza planetária, pois essas duas perdas representam uma diminuição considerável na generosidade coletiva.
Conheci o Padre Ticão nas reuniões que realizamos sobre a possível implantação de cursos de Engenharia na USP-Leste, sonho de toda a comunidade local e possível solução para atenuar a necessidade de geração de empregos na região.
O professor André Hirakawa já estava envolvido nessa empreitada, muito antes de mim, deixando de lado ganhos com projetos pessoais e acreditando na possibilidade de viabilizar mais oportunidades para os jovens.
Padre Ticão sabia ser solidário e amigo dos menos favorecidos com a mesma firmeza que enfrentava os mecanismos de poder, em busca da melhoria das condições de vida de seus semelhantes. André era o homem bem humorado e sorridente, sempre disponibilizando conhecimento técnico para ajudar os futuros estudantes.
Animados por um ex-secretário de transportes* e pelo Padre Ticão, liderados pelo André e com ajuda de outros professores**, elaboramos um projeto para a Poli-Leste, que fora aberta e fechada sem nunca ter operado.
O projeto visava um curso de Engenharia de Computação, associado ao curso de Análise de Sistemas já existente na USP-Leste e a criação de um centro de incubação de possíveis produtos resultantes de trabalhos dos alunos da USP e dos outros cursos tecnológicos da região.
Apesar do baixo custo da empreitada e da generosidade de todos envolvidos, não houve progresso e nunca mais se falou nisso.
Padre Ticão, entretanto, não parava, era incansável. Ajudado por uma pequena verba de projetos da Poli montou um curso pré-vestibular gratuito para a população carente da região. O professor Waldir e o André trabalharam, junto com o Padre Ticão, para arrumar professores voluntários, material didático e ajuda de alimentação e transporte para os alunos.
Francamente, depois que deixei os cargos de gestão, não acompanhei a continuidade da iniciativa que, aparentemente, durou por três anos. Os jovens que frequentaram o curso tiveram a oportunidade de ingressar em universidades e melhorar suas perspectivas de vida.
As ideias interrompidas não morrem e a necessidade de melhorar a empregabilidade e as condições econômicas da cidade nunca foi tão premente.
Como o passado não pode ser mudado, mas futuro pode ser construído, que a generosidade do Padre Ticão e do André siga viva nas ações da nossa comunidade e contagie o país, tão imerso em questões políticas de pouco valor humano.
José Roberto Castilho Piqueira
03/01/2021
*Engenheiro Plínio Assmann
** Professores Waldir Augusti e Mauro Zilbovicius
Localização
Acesso Rápido
Formando Engenheiros e Líderes
© 2024 Escola Politécnica da USP