Escola Politécnica

Formando engenheiros e líderes

'Engenheira Naval, por que não?': Conheça a trajetória de Mônica Silva

Nascida em uma família em que a igualdade de gênero na escolha da profissão era uma realidade, a engenheira naval formada na Poli-USP percebeu o machismo em sua profissão somente após 4 anos no curso da engenharia, durante seu primeiro estágio

[Imagem: Mônica Silva/Arquivo Pessoal]

“Filho de peixe, peixinho é”: Mônica Silva, assim como seus pais, é engenheira. Formada em Engenharia Naval pela Escola Politécnica (Poli) da USP, em 2017, a estudante de doutorado cresceu em um ambiente envolto de apoio familiar quanto às suas escolhas pessoais, sobretudo a sua profissão. 

A presença feminina em cursos tradicionalmente masculinos, como as engenharias, ainda é escassa. Mônica diz que até o momento do seu primeiro estágio, ela não tinha a dimensão do machismo e preconceito existente nos ambientes que estava se tornando  parte. “Estava muito fora da minha realidade pensar que as mulheres não podiam fazer o que queriam. [Para mim] profissão não tem gênero”, afirma. 

Nascida em São Paulo, com pai e mãe engenheiros, Mônica teve uma infância privilegiada, o que não a limitou – nem a alienou – apenas ao seu próprio convívio social. Quando ingressou na universidade, a engenheira passou a compreender que o lugar que ela ocupava no ambiente acadêmico era um lugar político, com debates de gênero, de classes sociais e de raça. 

O caráter acolhedor de sua família fez com que Mônica crescesse e se tornasse uma mulher segura de si e de suas ações. Ela declara que passou por um processo de compreensão sobre o quanto o fato de seus pais terem a mesma profissão a afetou e continua a afetar. Hoje, ela afirma ser uma mulher que não tem medo de contestar, de se propor e de se “enfiar em projetos” graças à falta de preconceitos de gênero que ela experimentou na primeira infância. 

“Meus pais nunca deram ‘pitaco’ na minha escolha profissional, apesar de eles também serem engenheiros. Minha mãe tentou me ‘empurrar’ para a Engenharia Química, mas eu não queria. Eu gosto de ver as coisas se mexendo e não tem como eu ver elementos químicos  funcionando. Meu pai me disse: ‘isso [cursar Engenharia] vai doer’ e nós tivemos essa conversa umas três vezes ainda quando eu era adolescente, antes de ingressar na faculdade”, diz Mônica Silva.

Zarpar e se encontrar

No início de 2011, a Poli se encontrava em polvorosa com a chegada dos novos alunos e das novas – ainda mais escassas – alunas. Foi o último ano em que os calouros fizeram a matrícula de forma impressa e Mônica Silva, com 19 anos, era uma empolgada recém-uspiana. 

Mas a relação de Mônica com a Escola Politécnica começou antes do vestibular. Após concluir o Ensino Médio, com apenas 16 anos, ela fez dois anos de cursinho, e se decidiu pela instituição no início do primeiro, quando visitou o Departamento de Engenharia Mecatrônica da Poli, curso em que foi aprovada para ingresso.

[Imagem: Mônica Silva/Arquivo Pessoal]

Mesmo com o sonho conquistado, Mônica enfrentou dificuldades na graduação. Um exemplo que hoje ela lembra com comicidade foi o semestre em que pegou seis disciplinas e, no final do período, terminou quatro delas com 4,50 de média final. “Eu demorei sete anos para me formar. Durante os quatro primeiros anos da minha graduação, eu não fazia a mínima ideia do que eu estava fazendo”, declara.

Os primeiros anos do curso na Poli foram os de Engenharia Mecatrônica e a futura engenheira naval não se identificou com o perfil do curso e de seus colegas. Segundo Mônica, os projetos de engenharia mecatrônica podem ser executados em um curto espaço de tempo, com equipes pequenas – ou até mesmo de forma individual –, fatores que não a atraíam. A reviravolta veio de uma colega que a aconselhou visitar o Departamento de Engenharia Naval, o que a levou a fazer a transferência.

“Engenheiro naval é alguém que tem um perfil que gosta de contar e de ouvir histórias”

A primeira embarcação que Mônica viu presencialmente foi um Platform Supply Vessel (PSV) – um Barco de Apoio à Plataforma –, no Encontro Nacional de Estudantes de Engenharia Naval (ENAV) de 2014. Depois desse evento, ela deixou o “discurso do sofrimento” que a acometia há anos devido às inseguranças das dificuldades na formação politécnica, e teve a certeza de que queria trabalhar com os transportes marítimos.

“Eu tinha colegas que deixaram a Engenharia para fazerem Medicina, para irem para a FEA… Eu me sentia frustrada porque eu sabia que queria ser engenheira e nada mais, eu não tinha nenhuma outra opção”, relata Mônica. 

A mudança trouxe melhores resultados para a então graduanda: ela estava no curso que realmente gostava, seu entendimento sobre as disciplinas estava melhor e suas notas só aumentavam. Para acrescentar à lista de mudanças, Mônica fez um estágio  de férias no município de Macaé (RJ), importante polo naval do País no verão de 2015. 

Durante os três meses em que esteve fora, ela encarou diferentes “choques de realidade” em relação ao machismo na sua área de atuação. Foi após essa experiência que Mônica passou a conhecer mais sobre a trajetória de sua mãe, como uma mulher engenheira na indústria química e seus desafios. “Foi um momento íntimo, mas não foi um momento feliz”, declara.

Batalha naval

Mônica, fazendo jus às características dos engenheiros navais, é uma simpatizante da escuta de histórias. Uma das abordagens prediletas da acadêmica para conversar é perguntar sobre teorias da conspiração independente da crença nelas. Segunda ela, também defensora de que a explicação dos signos é uma característica histórica e mais relacionada ao passado das navegações do que aos cursos de Humanas – fortemente estereotipados –, ser ou não ser crente dessas teorias revela as verdadeiras características de alguém.

No decorrer da sua trajetória pessoal e profissional, Mônica Silva acumulou aprendizados, reparações e conhecimentos de outras áreas além das Exatas. Para ela, os engenheiros precisam saber se comunicar para cumprirem as suas missões sociais de entenderem, quantificarem e melhorarem a realidade. 

Não à toa, ela revela que cursou disciplinas na USP relacionadas à área da comunicação para se reconhecer como uma engenheira plena. “Não podemos separar a Exatas das Humanas e das Biológicas. Nós [áreas do conhecimento] temos que ter algo em conjunto”, diz Mônica.

[Imagem: Mônica Silva/Arquivo Pessoal]

O estímulo e a motivação são peças fundamentais para o surgimento de futuras engenheiras. Mônica afirma que ambas ações – fortemente promovidas pelos seus pais – foram fundamentais para o seu desenvolvimento na Engenharia porque a possibilitou usar o seu conhecimento de forma livre e criativa para, assim, entender o que lhe era desconhecido.

Para as futuras gerações de politécnicas, Mônica aconselha que sejam insistentes e que confrontem as desigualdades que surgirem em suas trajetórias acadêmicas. “Quem é determinada, é teimosa”, acrescenta.