FORMANDO ENGENHEIROS E LÍDERES

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A experiência das multinacionais brasileiras em território estrangeiro, objeto de pesquisa da Escola Politécnica, deve auxiliar outras companhias a ingressarem no mercado internacional.

Primeiro, foram as empresas norte-americanas que invadiram o mercado internacional com suas marcas nos anos de 1950 e 1960. Na década de 1980 foi a vez das indústrias japonesas. Agora, são as companhias brasileiras, juntamente com as dos países que formam o BRIC, que estão disputando a denominada “terceira onda” de internacionalização. As lições da incursão das empresas tupiniquins em território estrangeiro estão sendo reunidas e estudadas pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP).

Trata-se de um projeto temático de pesquisa iniciado em 2006 por pesquisadores do Departamento de Engenharia de Produção (PRO), em parceria com outros departamentos da USP, com o objetivo de gerar conhecimento sobre o processo de internacionalização das empresas brasileiras após o advento da globalização. Denominado projeto Ginebra (Gestão Empresarial para a Internacionalização das Empresas Brasileiras), o estudo será concluído em 2010 e visa fornecer parâmetros para outras empresas que decidirem seguir o mesmo caminho, bem como fornecer subsídios para a formulação de políticas públicas na área.

Peculiaridades verde-amarelo – Uma das constatações da pesquisa é que o processo de internacionalização das empresas brasileiras apresenta características diferentes das de outros países por estar baseada num tipo particular de sistema de gestão. “Ao contrário das empresas japonesas, que se internacionalizaram por meio da implantação de greenfields – novas plantas –, as empresas brasileiras se internacionalizam mais por meio da aquisição de fábricas no exterior. Com isso, ganham mais rapidez no acesso a novos mercados, mas têm maior dificuldade de desenvolver sistemas de gestão internacional”, explica o coordenador do projeto, o professor Afonso Fleury.

Outra característica é a dificuldade de estabelecer parcerias entre empresas. Ao contrário do modelo de esquadra adotado pela Coréia, por exemplo, em que as empresas invadiram o mercado internacional em um movimento coordenado, as indústrias brasileiras se internacionalizam de modo mais individualizado. “Há uma variedade grande de empresas brasileiras se internacionalizando, mas que ainda não têm muita relação e articulação entre si. Ao se internacionalizarem, elas seguem a filosofia latina do cada um por si e Deus por todos”, diz o professor Fleury.

As empresas brasileiras também tendem a se movimentar nas cadeias globais de produção. Exemplo disso é uma grande indústria brasileira de aço que ingressou nos EUA, inicialmente fornecendo o produto para a construção civil. Posteriormente, ela se movimentou para a cadeia automotiva por meio da aquisição de uma indústria espanhola. “Todas as empresas bem-sucedidas estão fazendo isso. Porque se permanecerem em uma determinada posição correm o risco de se depararem com outro competidor melhor e serem eliminadas”, diz. “A permanente busca de posições de maior poder de comando nas cadeias globais de produção é absolutamente fundamental”, acrescenta.

Vantagens competitivas – A exposição internacional do Brasil desde a década de 1950 e a instabilidade econômica histórica do País conferiram às empresas brasileiras vantagens competitivas sobre as dos países concorrentes na disputa pelo mercado internacional, que hoje apresenta características de crescente turbulência. “Determinadas indústrias no Brasil têm uma competência em gestão em produção que é de classe mundial. E, talvez por circunstâncias ambientais, também têm um know how em gestão financeira destacado. Em um caso de crise econômica mundial, como o que está ocorrendo agora, essas competências são diferenciadas”, compara.

De acordo com o especialista, essas competências começaram a ser consolidadas pelas empresas brasileiras na década de 1990 com a globalização, quando começaram a ocorrer mudanças nas bases de competição nos mercados interno e externo. Na época, diversas companhias nacionais faliram ou foram vendidas para grupos estrangeiros. As que resistiram e decidiram continuar na competição tiveram que entender quais eram os seus pontos fortes e fracos – as suas competências essenciais –, desenvolver modelos de gestão apropriados e qualificar seus quadros diretivos para fazer frente à concorrência tanto local quanto estrangeira.

“Não é por acaso que os primeiros cursos de MBA que surgiram no Brasil datam do começo dos anos 1990. Com isso se criou uma massa de executivos no País que tem vivência internacional, com global mindset. Isso não existia antes e fez uma diferença brutal”, conta Fleury.

Ele lembra que algumas empresas brasileiras já vinham trabalhando em um contexto de abertura internacional desde 1950, quando as indústrias estrangeiras começaram a entrar em bloco no Brasil. O que não é o caso das empresas chinesas, russas e indianas. “Nós estamos acumulando competências há mais tempo e isso vai gerar um novo modelo de administração, com características extremamente fortes e competitivas”, diz. Por outro lado, a competência em gestão de recursos humanos, prioritária para o processo de internacionalização, é a que apresenta o maior desafio para as multinacionais brasileiras.

País precisa de seleção de craques 

Tal como ocorre nos esportes, em geral, os países também competem no comércio internacional por meio da seleção de suas melhores empresas – não por acaso chamadas global players. Nessa disputa, o Brasil apresenta algumas vantagens, mas se não continuar produzindo novos craques para exportação, a exemplo do que faz no futebol, pode assistir de camarote à ocupação do mercado global por outros países que formam o BRIC, alerta o professor do Departamento de Engenharia de Produção (PRO) da Poli, Afonso Fleury.

“A ideia da China de tornar suas empresas campeãs mundiais foi decidida em 1979 com o início das mudanças no regime político do país, e não agora, como parece”, diz. “Nessa época, o país planejou que, em 2010, teria 40 empresas na lista das 500 maiores do mundo. Em 2008 já tinha 26. E se ele, junto com a Índia e a Rússia, conseguir essa façanha, o Brasil terá cada vez menos espaço no mercado internacional”, analisa. O especialista pondera que a participação no mercado internacional não está relacionada apenas aos fluxos de investimento e volumes de exportação. “Também é uma questão de comando. Diz respeito sobre quem, o que, onde, como e quanto produzir”.

Segundo ele, existem atualmente cerca de 80 mil empresas multinacionais, com um milhão de subsidiárias espalhadas pelo mundo. Não há uma estimativa oficial do número de empresas brasileiras internacionalizadas. No estudo da Poli foram rastreadas até agora 81. Elas estão localizadas principalmente em países da América Latina, Europa e América do Norte. Apesar da crise mundial, os investimentos das tupiniquins em território estrangeiro continuam crescendo. Entretanto, o processo de internacionalização delas é mais moroso do que a de outros países do BRIC devido, principalmente, às complexas relações e à falta de incentivos governamentais.

“O problema do apoio financeiro para as empresas brasileiras se internacionalizarem até hoje não foi solucionado”, aponta. “Só ter agências como a Apex – Associação Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos – não impulsionará a criação de empresas brasileiras campeãs globais”, avalia.  Fleury espera que esse cenário mude com a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), lançada pelo governo no início de 2009, que fixou a internacionalização das empresas brasileiras como uma de suas principais metas. 

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