FORMANDO ENGENHEIROS E LÍDERES

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A nanotecnologia tem aberto inúmeras oportunidades para o desenvolvimento de novos produtos com características, muitas vezes, superiores aos materiais convencionais. A síntese, estocagem e manuseio desses elementos nanoparticulados, no entanto, podem trazer riscos aos trabalhadores, tais como a contaminação acidental por meio das vias aéreas e cutâneas.

 

O professor Guilherme Lenz e Silva, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP), explica que, apesar de muitas pesquisas ainda serem necessárias para se definir com exatidão a toxicidade e os efeitos de longo prazo da exposição dos trabalhadores às nanoestruturas, sabe-se que, assim como a poluição atmosférica, as nanopartículas são agentes potencialmente nocivos à saúde humana.

“Mas ainda não se sabe, por exemplo, quanto tempo o trabalhador tem que respirar ou ficar em contato com esses materiais para apresentar um problema mais sério de saúde”, explica o docente. “Além disso, a quantidade respirada depende de fatores como o tamanho, o tipo, a composição química, a área superficial e a concentração dessas partículas no ambiente”, aponta.

Depois de atingirem as vias aéreas e passarem pelo sistema respiratório, as nanopartículas podem atingir o sistema circulatório e cair na corrente sanguínea. “Neste momento, elas podem se aglomerar e formar trombos, restringindo o fluxo sanguíneo, além de poderem participar de reações bioquímicas e contribuir para o aumento do estresse oxidativo e para o envelhecimento das células”, explica.

As nanopartículas podem ainda participar de reações químicas que ativam ou desativam genes específicos. Além disso, apesar de as pesquisas sobre seus mecanismos de interação com os sistemas biológicos estarem em fase inicial, as nanopartículas podem causar perturbação mitocondrial, promover processos inflamatórios, degradar proteínas e gerar disfunções celulares.

Segundo Lenz e Silva, com o avanço das nanotecnologias, chegam ao mercado produtos como novas drogas e sistema de aplicação de medicamentos, tecidos celulares sintéticos, miniaturização de dispositivos eletro-eletrônicos e novas fontes de armazenamento e produção de energia. “Mas o que mais tem oferecido riscos à saúde dos trabalhadores são os nanometais, por estes serem catalisadores de reações oxidativas no sistema biológico humano e também serem potencialmente explosivos”, conta.

No caso dos sistemas de aplicação de medicamentos, uma das propriedades das nanopartículas é a “transfecção”, ou a capacidade de as nanopartículas atravessarem as paredes celulares e infectarem as células. “Existem também estudos de encapsulamento de drogas específicas em nanocápsulas de materiais poliméricos e proteínas, que liberam drogas em locais ou períodos específicos”, explica.

Os dispositivos eletroeletrônicos, por sua vez, compreendem circuitos integrados com dimensões nanométricas que aumentam a capacidade de memória, armazenamento de informações e velocidade de processamento dos computadores. Outros tipos de nanomateriais que apresentam risco potencial são as nanofibras e os nanotubos de carbono, especialmente quando sua superfície é modificada com grupos funcionais capazes de reagir ou interagir com as células humanas.

Rotas de contaminação – Atualmente, uma série de estudos sobre as principais rotas de contaminação dos trabalhadores têm sido propostos, em um esforço direcionado para evitar doenças ocupacionais ou acidentes durante as etapas de síntese, manuseio, armazenamento e uso dos nanomateriais. “Mas a maioria dessas pesquisas já indica que, no ambiente de trabalho, os meios de contaminação pelas vias respiratórias e a absorção pela pele são, respectivamente, os dois principais fatores de risco dos trabalhadores”, aponta.

Estão mais sujeitas à contaminação por nanomateriais, de acordo com Lenz e Silva, pessoas que trabalham, basicamente, com a síntese ou geração de partículas nanométricas, como na moagem de metais ou soldagem. “Não se pode desconsiderar também os profissionais da área de ensino e pesquisa que trabalham com atividades de síntese, incorporação e desenvolvimento de novos materiais e compósitos”, afirma.

Para que a nanotecnologia seja utilizada de forma segura, Lenz e Silva, que leciona no Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Poli, sugere medidas de prevenção por parte dos profissionais envolvidos direta e indiretamente com o manuseio de materiais contendo nanopartículas. É necessária também uma atuação baseada na utilização das melhores práticas disponíveis pela engenharia de segurança e medicina do trabalho.

“Sugerimos o uso de equipamentos de proteção individual, como roupas de proteção e máscaras adequadas no ambiente de trabalho. Existem também alguns tipos de proteção coletiva, como os sistemas de filtragem que absorvem o ar contaminado do laboratório. Como os riscos dos materiais nanoparticulados à saúde humana não são completamente conhecidos pela literatura científica, a melhor decisão é prevenir e evitar o contágio” explica.

Os primeiros artigos científicos sobre os potenciais riscos da interação de materiais nanoparticulados sobre a saúde dos trabalhadores foram publicados apenas no início deste século. Outro ponto desfavorável é que, atualmente, a legislação que trata dos aspectos relativos à saúde e segurança ocupacional do trabalhador e suas interfaces com os nanomateriais no ambiente de trabalho ainda é genérica, não abordando o tema de forma específica.

“Hoje são aplicadas as conhecidas ‘soft law’, que são apenas indicações de procedimentos ou diretrizes de associações de empresas para o manuseio desses materiais. Na maioria dos casos, os produtos ou materiais nanoestruturados não apresentam descrições mais detalhadas sobre seus potenciais riscos à saúde”, aponta.

Alguns países da Europa, o Canadá e os Estados Unidos vêm modificando suas legislações para adequá-las às novas tecnologias. No Brasil, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) também tem discutido o assunto em parceria com a academia, empresas, agências governamentais e representantes da sociedade civil, em grupos de trabalhos sobre o marco regulatório e o mercado da nanotecnologia no país.

Algumas empresas brasileiras de base tecnológica já produzem e comercializam esse tipo de material, mas os principais países produtores de matérias-primas nanoparticuladas são os Estados Unidos, Alemanha, Bélgica, França, China e Japão. “Mas ainda não há no Brasil um levantamento confiável sobre o número de empresas e trabalhadores expostos aos materiais nanométricos”, conclui o professor.

 

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