Na noite da última segunda-feira, dia 28 de novembro de 2021, das 18h às 20h, a Escola Politécnica (Poli) da USP e a Associação de Engenheiros Politécnicos (AEP) celebraram a produção de 1000 ventiladores pulmonares Inspire e o sucesso da iniciativa. O Projeto Inspire é uma parceria da Poli com a Marinha Brasileira, o qual conta com o apoio de mais 60 instituições. A iniciativa surgiu no início da pandemia de covid-19, em março de 2020, com o intuito de produzir ventiladores pulmonares totalmente nacionais e com custo abaixo do preço de mercado para auxiliar os hospitais que atendem os pacientes com covid.
O evento foi iniciado pelo discurso de um dos coordenadores do projeto, professor Raúl González Lima, do Departamento de Engenharia Mecânica da Poli. O docente contou um pouco do processo para a criação dos ventiladores e o funcionamento técnico do equipamento. Ele também ressaltou o papel das empresas parceiras para o projeto, visto que a iniciativa utiliza tecnologia 100% nacional, e o projeto recorreu a várias companhias de outros setores para viabilizar a produção do Inspire.
O professor Raúl Lima anunciou a criação de um Centro de Engenharia da Vida, o próximo passo do Projeto Inspire. “Este projeto agregou diversas unidades da Universidade, Institutos de Pesquisa, Universidades do Brasil, empresas de capital privado, doadores individuais, Forças Armadas, secretarias estaduais e hospitais de todo o Brasil, demonstrou a possibilidade da engenharia ágil, e administração ágil, mesmo na academia e com protagonismo da academia. Para institucionalizar esta experiência criamos o Centro de Engenharia da Vida na Escola Politécnica da USP. Na esperança de manter unido esse ecossistema”. Leia mais.
Em seguida, Marcelo Zuffo, coordenador do Projeto Inspire e professor do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos, abordou a importância da ciência, da tecnologia e da inovação aberta. “Em menos de 120 dias da concepção, nós fomos a produtização, articulando um ecossistema de Inovação Aberta”.
O projeto realizou esse feito durante um período da pandemia em que o País passava por uma economia de guerra. “Quando eu fui ao Incor, um dos médicos me falou que essa pandemia era a 3ª Guerra Mundial, só que era uma guerra entre os humanos e o vírus, e a nossa arma é o conhecimento”, contou o docente. O professor enfatizou que a Universidade Pública é a fonte dos conhecimentos que devem ajudar a sociedade.
O professor relembrou que, no dia 19 de março de 2020, a diretora da Poli, professora Liedi Bernucci, reuniu os docentes e pesquisadores da Instituição para pedir que eles se unissem, pois a pandemia é muito mais que uma questão apenas médico sanitária, e a Engenharia deve auxiliar nessa luta. “Eu lembro que 5 minutos depois disso, o professor Raúl se apresentou na minha sala e falou que precisávamos fazer ventiladores, eu respondi que nunca tinha visto um na vida, mas vamos fazer!”.
Segundo Zuffo, fazer um ventilador pulmonar é para a Engenharia como fazer um helicóptero ou avião, é um aparelho crítico que não pode falhar. “Então, a responsabilidade técnica e a agilidade eram questões fundamentais na concepção desse projeto”. Para construir os ventiladores, todos os conhecimentos que são ensinados na graduação e na pós-graduação da Poli foram utilizados.
Além dos problemas causados diretamente pela covid-19, para produzir o equipamento os pesquisadores também precisaram enfrentar as consequências indiretas da pandemia, como a quebra de cadeias de suprimentos e logística, embargos, política e corrupção. “E nós conseguimos passar por tudo isso com o método da Engenharia. Se conseguimos passar por isso com o ventilador, eu estou convencido que conseguimos fazer isso em qualquer área do conhecimento, desde que haja mobilização”, afirma Zuffo.
Após os primeiros 60 dias do projeto, eles já tinham o primeiro protótipo pronto para ser avaliado pela Anvisa. Para criar esse equipamento, o professor explicou que eles utilizaram o AMBU, uma representação artificial do pulmão, e que foi ligada e reproduzida às atividades do pulmão humano por meio de algoritmos. Por causa disso, o Inspire é semelhante a um software e, para atualizar ou modificar o aparelho, é necessário apenas modificar o software. Essa criação dos pesquisadores permitiu que a Poli fosse muito mais rápida e chegasse muito mais longe em responder a este problema da pandemia, em comparação a outros países.
Seguindo a escala do Nível de Maturidade Tecnológica da NASA, o projeto saiu do nível TRL 1 ao TRL 9 em 120 dias, passando pelos processos de concepção, criação, produção, montagem, aprovação e distribuição. Em 110 dias, os pesquisadores desenvolveram 7 versões da placa mãe do equipamento, a qual é constituída por internet, GPS, 3G, entre outros mecanismos tecnológicos.
O professor Zuffo contou que, ao fim da primeira onda, o Inspire foi aprovado pela Anvisa. A partir disso, eles começaram a se preparar para a segunda onda. Durante este período, Manaus sofreu uma crise grave de casos de covid-19 e foram enviados mais 50 ventiladores Inspire para auxiliar. O professor Raúl Lima foi até a capital amazônica para ajudar no treinamento dos profissionais que iriam manusear o aparelho. O docente Zuffo finalizou sua apresentação falando que hoje o ventilador Inspire é uma plataforma tecnológica.
Em seguida, o engenheiro Dário Gramorelli, diretor da Associação dos Engenheiros Politécnicos (AEP) e membro do projeto, iniciou o seu discurso falando sobre o fator humano na produção do Inspire. “Como eu estou aqui desde o início do projeto, eu fui testemunha de episódios de humanidade muito expressivos, o que particularmente ficou muito marcado e é tônica comum de toda a participação voluntária foi que todos indistintamente mostraram um senso de solidariedade e generosidade excepcionais”, lembra Gramorelli.
O engenheiro contou que o estímulo inicial para o projeto veio dos politécnicos que colaboraram financeiramente com o projeto. Segundo o diretor, em 3 dias, eles bateram 250% da meta inicial. Após esse período e com a divulgação na mídia, mais parceiros ingressaram na iniciativa e as somas financeiras aumentaram.
Gramorelli fez uma homenagem para os professores Raúl Lima e Marcelo Zuffo, os quais se colocaram em risco, abriram mão do convívio familiar e dos períodos de descanso para se dedicarem ao projeto. O diretor também fez uma apresentação com fotos para contar histórias humanas do desenvolvimento dos ventiladores, como forma de homenagear os profissionais que contribuíram com a iniciativa.
Entre diversas histórias, ele relatou que, no período da crise sanitária em Manaus, foi preciso levar ventiladores pulmonares para Parintins e a médica do trabalho, Natasha Abreu, conseguiu que voluntariamente membros do Aéreo Clube de Manaus levassem os ventiladores. O transporte dos equipamentos também contou com os Aviões Solidário, iniciativa da LATAM que levou gratuitamente ventiladores; a Transportadora Risso, a qual transportou 400 ventiladores de graça em suas carretas; e a Polícia Militar, que usou seus veículos e membros para auxiliar na distribuição dos aparelhos.
Gramorelli também lembrou em suas histórias os treinamentos para manuseio dos ventiladores que foram realizados por Natasha e professor Raúl Lima. Durante o Natal e o Réveillon, vários membros do projeto trabalharam para poder adiantar a entrega dos equipamentos em Manaus. O Senai colaborou criando inúmeras peças gratuitas para serem utilizadas no Inspire. Os alunos da Poli participaram da iniciativa produzindo vários componentes para os aparelhos.
O diretor homenageou a pesquisadora Catherine que estava grávida e colaborou com o projeto até horas antes de dar à luz, além de toda a equipe do Centro Interdisciplinar de Tecnologias Interativas (CITI) da USP. Gramorelli terminou sua exposição agradecendo o trabalho conjunto de todos e saudando a Engenharia brasileira.
A professora Liedi deu continuidade ao evento cumprimentando o Reitor da USP, professor Vahan Agopyan, a Marinha Brasileira e todos os acadêmicos, empresas que contribuíram com o projeto, bem como a equipe do Inspire, destacando, principalmente, os professores Raúl Lima, Marcelo Zuffo e Dario Gramorelli, a quem apesar de não fazer mais parte do corpo docente da Escola, ela assim o considera.
Ela citou que mesmo que os ventiladores Inspire tenham sido criados em 100 dias, para isso foi preciso mais de 30 anos de trabalho e estudo em diversas áreas, o que é um investimento constante. “Acreditar no conhecimento é acreditar na possibilidade de fazermos aqui no nosso Brasil equipamentos, ativar a indústria e todos os negócios que são preciso para o bem estar da sociedade”, exclamou a diretora, a qual terminou parabenizando a todos e ressaltando que todos os participantes do projeto são heróis.
Também durante esta cerimônia, a diretora da Poli, Liedi Bernucci, recebeu a medalha “Amiga da Marinha”, concedida devido à atuação da docente à frente da Escola durante o desenvolvimento do Projeto Inspire. A condecoração e o diploma foram entregues pelo Vice-Almirante Noriaki Wada, comandante do 3º Distrito Naval, o qual ressaltou que os diversos institutos da Marinha têm o dever de contribuir com a missão da Força Armada, que é servir à sociedade.
Após isso, o Vice-Almirante Paulo César Colmenero Lopes, diretor do Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo, começou seu discurso agradecendo todos os professores e pesquisadores que participaram do projeto. Ele explicou que, ao contrário das outras Forças Armadas, Exército e Aeronáutica, as quais fundaram seus próprios Centros de Engenharia, a Marinha optou por se aliar à USP. “E, hoje, após 65 anos, eu posso dizer com convicção que foi a melhor opção que a Marinha podia ter tomado naquela época”, afirma o Vice-Almirante. Ele relatou que foram diversos projetos realizados em parceria, e várias vitórias, e que o Projeto Inspire é o que representa o sucesso que existe quando pessoas de bem se unem em prol da nossa sociedade.
“Eu costumo dizer que sonho não existe. Sonho é uma boa ideia que temos e que ainda não tivemos coragem, capacidade ou tempo para executá-la. E nenhum desses três fatores faltou no Projeto Inspire. Tivemos a capacidade dos nossos professores, pesquisadores e engenheiros. A coragem de tocar esse projeto com todo o risco que estava envolvido em produzir um respirador que ia salvar vidas”, explana o Vice-Almirante. Ele acrescentou que esse projeto é um exemplo para a sociedade brasileira, e que a Marinha tem muito orgulho de fazer parte disto.
O Vice-Almirante também lembrou de todos os militares que abriram mão de seu tempo pessoal para se dedicarem ao máximo ao projeto, e o professor Raúl Lima, que foi junto com a Marinha para Manaus na entrega dos ventiladores. Ele contou que na Marinha, quando se confia muito em uma pessoa e em suas habilidades, se usa a expressão “Com aquela pessoa eu vou para a guerra”, e finalizou aos politécnicos: “com vocês a Marinha vai para guerra”.
“Entregamos o Inspire 1000, mas se por acaso – o que não queremos – for necessário que nós termos que botar a nossa linha de fabricação para produzir mais 1000, mais 2000, contem conosco, porque nós estaremos presentes”, expressou o militar. Por fim, ele saudou a todos com “Bravo Zulu”, expressão que significa “missão muito bem cumprida”.
O Vice-Almirante Noriaki Wada, comandante do 3º Distrito Naval, foi o responsável pela entrega da comenda “Amiga da Marinha” para a professora Liedi Bernucci. O Vice-Almirante Wada cumprimentou o Reitor e a Diretora Liedi, e em nome deles todos os acadêmicos e os membros do setor produtivo brasileiro. Ele explicou que apenas empurrou as pessoas certas para fazerem parte do projeto, e que os professores da Poli comandaram tantas equipes quanto eles da Marinha, os quais foram ovacionados pela plateia a pedido do Vice-Almirante. “Lembrem-se que a Marinha do Brasil é uma Marinha dos brasileiros e pertence a todos vocês, então, nós não fizemos nada mais do que a nossa obrigação”, afirmou o militar Wada.
Ele ressaltou que os diversos institutos da Marinha têm o dever de contribuir com a missão da Força Armada, que é servir à sociedade. Nessa jornada, pessoas civis também trabalham lado a lado dos marinheiros e fuzileiros navais. Os civis que realizam importantes atividades junto a Marinha, como a diretora Liedi, recebem a comenda “Amigo da Marinha” como agradecimento. Em seguida, o Vice-Almirante colocou a condecoração na professora Liedi, e a entregou o diploma de “Amiga da Marinha”. Além dessa honraria, a diretora também já recebeu outras duas medalhas da Marinha, Almirante Tamandaré e Mérito Naval. A professora falou que carrega com muito orgulho e carinho as condecorações que recebeu da Marinha e agradeceu.
O evento foi finalizado pelo Reitor da USP, professor Vahan Agopyan, o qual abordou que o Inspire é uma demonstração da competência do povo brasileiro, da academia e da Marinha. Ele cumprimentou os representantes da Marinha presentes na cerimônia e ressaltou que estão comemorando 65 anos de parceria. O Reitor contou que fez uma viagem ao México e visitou a Faculdade de Engenharia da Marinha Mexicana, na qual os fuzileiros mexicanos ficaram chocados quando descobriram que um civil estava à frente da Universidade parceira da Marinha brasileira e que civis trabalhavam junto aos militares.
O professor Agopyan retomou o discurso do Vice-Almirante Colmenero para dizer que “Se o senhor vai a guerra conosco. Nós vamos em qualquer lugar com vocês”. Ele também homenageou a diretora Liedi e os professores Lima, Zuffo e Gramorelli, os quais ressaltou que representam um grupo muito maior.
Ele ressaltou que a Universidade aprendeu muito na pandemia, como sua própria capacidade de responder com agilidade às demandas da sociedade. Já a sociedade aprendeu que a Universidade é parte da solução dos problemas. Agopyan citou a importância da situação para catalisar o trabalho interdisciplinar entre os vários Institutos da USP. Por fim, ele tratou sobre o ensinamento de que com a colaboração é possível fazer muito mais. “Eu fico muito satisfeito em encerrar o meu mandato aqui na Universidade notando que a Universidade está mais unida, mais colaborativa e que a maioria das divisões internas caíram”, finalizou o reitor.
PARCEIROS
Além da Marinha e diversas instituições, o projeto contou com mais de 800 doadores individuais e 220 pesquisadores colaboradores diretos. Realizaram doações as empresas como a Ambev, o Boticário, Bradesco, Itaú, Mapfre e a Votorantim, entre outros. A iniciativa teve a colaboração do Incor e de institutos da USP, como Faculdade de Medicina, Faculdade de Direito, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Faculdade de Saúde Pública e Faculdade de Odontologia.
O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), o Senai, o Instituto Federal de São Paulo e o LS Tech também contribuíram com o Inspire. A LATAM e os Consórcios Intermunicipais colaboraram na distribuição dos equipamentos. “Os consórcios intermunicipais tiveram um papel fundamental em descobrir quais eram os hospitais que realmente precisavam dos ventiladores”, conta Lima.
O professor Raúl Lima abordou os planos para o futuro do Projeto Inspire. “O desenvolvimento do Inspire continua, nós estamos testando a comunicação de longa distância e aprofundando a inteligência artificial”, expõe o professor. Para evitar que ocorra a ventilação duplicada no volume do pulmão, o Inspire já possui uma série de mecanismos de segurança. Com o intuito de aprimorar essa parte e “para que tempo que os alvéolos ficam com pressão negativa seja inferior a um certo intervalo de 200 ms, estamos colocando redundância de sensores, aumento dos modos ventilatórios e redesenho da válvula direcional – um desenho um pouco mais seguro na UTI”, detalha o pesquisador.
Foi ressaltado que o Inspire é uma equipamento de baixo custo, já que a soma de seus insumos é de R$ 5 mil. O aparelho também é biocompatível, biosseguro, de rápida fabricação e de fácil manutenção. Os ventiladores têm sido utilizados entre 10 e 14 dias continuamente. Em alguns hospitais onde a segunda onda foi muito intensa, eles relataram que esses ventiladores foram usados por 3 meses numa sequência de pacientes que ficavam em média de 10 a 14 dias nesses ventiladores”, conta o pesquisador.
“O projeto é licenciável, e tem todos os requisitos funcionais exigidos pela Anvisa”, afirma o engenheiro, que ressaltou que a aprovação da Anvisa só foi possível devido a Marinha Brasileira, a qual já tinha experiência com este processo, e auxiliou a Poli.
Em outubro de 2021, o Inspire atingiu a marca de 825 ventiladores distribuídos, sendo metade dos equipamentos para o Estado de São Paulo. Ao todo, foram atendidos 197 municípios e 219 hospitais.
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